No Brasil, país onde ladrões do INSS ainda recebem aposentadoria e políticos que desviaram milhões de reais destinados a respiradores durante a pandemia posam hoje sorridentes no Congresso ou em algum ministério, um humorista foi condenado a oito anos e três meses de prisão por fazer piadas. Sim, você leu certo. Enquanto homicidas, estupradores e estelionatários digitais convivem com penas risíveis, Léo Lins, por dizer o indizível no palco — espaço consagrado da transgressão artística —, foi sentenciado como se fosse uma ameaça à ordem pública.
A decisão da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo escancara o que virou o Judiciário brasileiro: um tribunal moral de inquisidores que confundem o Código Penal com manual de bons costumes.
Léo Lins, de 42 anos, foi condenado por um show de stand-up publicado na internet, que segundo a sentença, propagava “discursos discriminatórios” contra uma longa lista de grupos sociais. O vídeo “Perturbador”, visto por mais de 3 milhões de pessoas, foi retirado do YouTube por ordem judicial.
Agora, o comediante deve pagar R$ 303 mil de indenização por “danos morais coletivos”, além de multa e prisão em regime fechado. Uma execução penal que seria impensável em democracias minimamente sérias.
Não se trata de defender o conteúdo das piadas — quem quiser pode detestá-las, repudiá-las, vaiá-las ou abandoná-las. Mas criminalizá-las? Condená-las com uma pena de oito anos, superior à de homicídio culposo, é transformar o riso em delito, o palco em tribunal e o artista em réu político.
A comédia, desde Aristófanes na Grécia Antiga, sempre se nutriu do exagero, do grotesco, do escracho e do incômodo.
Ela desafia o sagrado, ironiza o dogma, cutuca o que é dito como intocável, e vira de cabeça para baixo nossas crenças e ideologias — inclusive quando o resultado é ofensivo.
Democracias saudáveis sabem disso. Por isso, um humorista pode ser processado por um indivíduo que se sentiu pessoalmente ofendido. Pode até levar um tapa no palco (como Will Smith provou). Mas jamais deve ser perseguido e condenado pelo Estado, em nome de um suposto “bem coletivo” definido por burocratas togados com a sensibilidade de um seminarista puritano que vê o mundo como sua nova Salem.
No país onde traficante com 400 quilos de cocaína é absolvido por “vício formal” no processo; onde MC que ostenta a facção criminosa em letras de funk é tratado como mártir da periferia ao ser recepcionado por milhares de pessoas na porta da cadeia; onde blogueira que promove jogos de azar ilegais em lives é selfie de senador em CPI, e onde estupradores pegam menos pena que um humorista, talvez o problema não seja a piada. O problema é quem se acha no direito de dizer o que pode ou não ser rido. Porque o que está em jogo não é o bom gosto, é a liberdade.
Léo Lins não é um herói. Mas é, sim, um símbolo de algo muito mais grave, que é o avanço do moralismo judicial e da censura, muitas vezes prévia, disfarçada de jurisprudência.
Sua condenação é uma gargalhada macabra contra o direito à livre expressão. E essa sim, é uma piada de péssimo gosto — contada por quem deveria ser, como dizia Carl Schmitt, “o guardião da Constituição”, mas que parece mais preocupado em proteger a moral de Estado do que os direitos fundamentais do cidadão.
Porque, no fim das contas, se você pode rir de tudo, mas não de todos, então não é você quem decide o que acha engraçado. É o Estado. E isso, meu caro leitor, não é justiça — é tirania com roupas longas e vocabulário em latim.