EDITORIAL: 1 milhão de doentes por um punhado de votos

Se assume a saúde de Teresina como prêmio político, mas quem paga a conta é o paciente na fila

Confessa-se: às vezes, tem-se inveja da simplicidade com que se distribuem cargos na saúde pública. Um dia você acorda administrando a saúde de Miguel Alves, cidade de 33 mil almas e um punhado de fichas ambulatoriais; no outro, descobre que vai dirigir a Fundação Municipal de Saúde de Teresina — metrópole que beira 1 milhão de habitantes, hospitais entupidos, filas que dobram a esquina e orçamento que faria corar muito prefeito. Chama-se salto triplo sem rede, mas em Brasília — e também em Teresina — atende pelo nome de indicação política.

Foto: Reprodução | Arquivo Semcom
Fundação Municipal de Saúde (FMS), o prêmio 

Leopoldina Cipriano chega ao cargo com o selo de “competente” já carimbado pelos padrinhos. Quem garante? O prefeito Veim da Fetraf — esse jovem de 38 anos que bate no peito ao dizer que botou Miguel Alves “nos trilhos”. Beleza. Só que, convenhamos, pilotar maria-fumaça de interior não é o mesmo que conduzir trem-bala de capital congestionada.

A aritmética é cruel: o que cabe num município de 33 mil habitantes vira estatística de rodapé em Teresina. Lá, um surto de gripe fecha a escola; aqui, fecha três UPAs e põe o HUT em colapso. Na planilha do interior, meia dúzia de ambulâncias resolvem; na avenida Higino Cunha, meia dúzia some no primeiro engarrafamento rumo ao hospital.

Foto: Reprodução/Redes Sociais
Leopoldina chega com apoio do MDB

Mas o que falta em escala sobra em politicagem. Não é curioso que a nova comandante da FMS também presida o Cosems Piauí, organismo que negocia verbas e diretrizes com o Estado inteiro? E não é ainda mais curioso que o MDB — partido do eterno camaleão de Brasília ao sertão — esteja de olho em 2026, precisando de cada voto, cada base, cada coraçãozinho batendo em município pequeno?

Perguntas que não calam, mas que todo mundo finge não ouvir:
– A experiência de Leopoldina, louvável no micro, aguenta o macro?
– O convite tem receita técnica ou sabor eleitoral?
– O senador em campanha permanente ganha o quê? Além, claro, de um discurso bonito sobre “união por Teresina”…

A saúde pública da capital não perdoa amadorismo e inércia. Aqui, quem vacila transforma corredor de hospital em corredor polonês. Vai dar conta de déficit de leitos, fila de cirurgias, greve de terceirizado, falta de insumo, cartel de plantão, licitação atravessada? Ou vai virar refém do mesmo consórcio político que hoje sorri na foto de posse?

Não se coloca em dúvida a boa vontade de Leopoldina. Questiona-se — e muito — a lógica de sempre: enxertar peças no tabuleiro por conveniência de palanque, não por pertinência de currículo. A conta chega rápido: leito lotado, falta de medicamentos, paciente no chão. Nessa hora, o padrinho voa para Brasília e a madrinha some na agenda. Quem fica dando explicação em coletiva é o gestor, ou melhor, a gestora recém-alçada ao Olimpo.

Teresina já apanhou o suficiente com experiências de “laboratório político”: secretário que aprende na marra enquanto o povo agoniza na recepção. Se querem mesmo revolucionar a saúde da capital, que tragam prontuário de grandes projetos, não carta de recomendação partidária.

Porque, convenhamos, remédio para município de 33 mil é dipirona; para metrópole de 1 milhão é UTI cheia, gestão hospitalar milimétrica e coragem de bater de frente com corporações que transformaram a doença em negócio. Se Leopoldina tem essa coragem e esse know-how, ótimo. Mas, por favor, não vendam à população um diploma político embrulhado em papel de competência.

No fim, pode ser que a nova presidente da FMS surpreenda — e tomara. Mas se der errado, o prejuízo não cabe em Miguel Alves; transborda na capital inteira. E aí o MDB, Veim da Fetraf e companhia limitada vão fingir espanto… deixando Teresina, mais uma vez, em estado de observação — sem direito a acompanhante.

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