Lula reage à derrubada do IOF e ameaça em ida ao STF

Presidente partiu para tudo ou nada contra o Congresso

Durante entrevista concedida nesta quarta-feira (2) ao Jornal da Manhã, na Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu o tom contra o Congresso Nacional após a anulação do decreto que elevava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Em resposta à ofensiva parlamentar, Lula declarou que só conseguirá manter a governabilidade recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF): “Se eu não for ao Judiciário, eu não consigo mais governar este país”.

Foto: • Ricardo Stuckert / PR
Hugo Motta, Lula e Davi Alcolumbre em reunião no Palácio do Planalto

A fala foi acompanhada de uma crítica direta ao Legislativo: “Cada macaco no seu galho. Eles legislam, eu governo”, disse o presidente, demonstrando insatisfação com a crescente interferência do Congresso em medidas que, segundo ele, são de competência exclusiva do Executivo.

O estopim da crise

O impasse teve início em maio, quando o Ministério da Fazenda editou um decreto aumentando as alíquotas do IOF como forma de elevar a arrecadação federal. A Receita estimava um impacto de R$ 20 bilhões em 2025 — valor que caiu para cerca de R$ 7 bilhões após revisões.

Mesmo com o recuo parcial, a medida foi mal recebida por empresários e congressistas. O resultado: Câmara e Senado aprovaram um decreto legislativo revogando o aumento do imposto. A derrota foi acachapante: 383 deputados votaram a favor da anulação, contra apenas 98. No Senado, a rejeição se deu por votação simbólica.

A decisão foi interpretada como a mais significativa derrota política de Lula e do ministro Fernando Haddad no atual mandato. O Planalto foi pego de surpresa, sobretudo pela forma como a votação foi conduzida: o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou a inclusão do tema na pauta apenas minutos antes da meia-noite, pelas redes sociais.

Governo aciona o Supremo

Sem alternativa política, o governo decidiu judicializar o caso. Na terça-feira (1º), a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade no STF para tentar restabelecer o decreto original. A ação está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, o Congresso extrapolou suas competências: “Apenas o Supremo pode declarar a inconstitucionalidade de atos normativos”, declarou. Ele defendeu que o decreto presidencial sobre o IOF tem caráter regulatório e que sua revogação pelo Legislativo gera insegurança jurídica e compromete o planejamento fiscal da União.

A história da intriga 

O embate entre o Executivo e o Congresso em torno do aumento do IOF teve início em 22 de maio, quando o governo publicou um decreto elevando as alíquotas do imposto, com expectativa inicial de arrecadar R$ 20,1 bilhões em 2025. A repercussão negativa forçou a equipe econômica a rever os valores já na mesma noite, reduzindo a estimativa para R$ 19,1 bilhões. Dias depois, em 28 de maio, os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, deram prazo para que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentasse alternativas. Em 8 de junho, após nova rodada de negociações, o governo anunciou um recuo parcial, prometendo substituir o aumento do IOF por uma medida provisória com elevação de outros tributos. Essa MP foi editada em 11 de junho. Mesmo assim, no dia 24, de forma inesperada, Hugo Motta anunciou nas redes sociais a votação do projeto que derrubaria o decreto. No dia seguinte, 25 de junho, a Câmara aprovou a revogação por 383 votos a 98, e o Senado confirmou a decisão em votação simbólica. No dia 1º de julho, o governo levou o caso ao STF, por meio de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, tentando reverter a derrota legislativa e restaurar o decreto original.

Reação política e desgaste na base aliada

A revogação do decreto uniu partidos da base governista e da oposição. Siglas que controlam ministérios no governo, como MDB, PSB, PDT, PSD, Republicanos e União Brasil, votaram em massa pela derrubada do aumento. Foi um sinal claro de desalinhamento da base com o Planalto e um recado direto ao núcleo político do governo, que não conseguiu evitar a derrota.

Lula, visivelmente incomodado, disse que vai se reunir com Hugo Motta e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), assim que voltar de viagem ao Rio de Janeiro, onde participa da Cúpula do BRICS. Ele acredita que o diálogo pode “restabelecer a normalidade política”.

Mas sua declaração mais incisiva deixou claro o novo paradigma de sua relação com o Congresso: “Se não recorrer ao Supremo, eu não consigo mais governar.”

A frase resume o cenário atual: um Executivo acuado, um Legislativo que impõe sua força, e um Judiciário chamado cada vez mais a mediar conflitos entre os dois Poderes — com todos os riscos institucionais que essa dinâmica carrega.

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