Bactéria bucal pode indicar prognóstico de câncer de cabeça e pescoço

Presença da Fusobacterium nucleatum em tumores está ligada à maior sobrevida de pacientes, segundo pesquisa do Hospital de Amor

Um estudo conduzido por pesquisadores do Hospital de Amor, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), revelou que uma bactéria comum na boca, a Fusobacterium nucleatum, pode ter um papel inesperadamente positivo em casos de câncer de cabeça e pescoço. Publicada no periódico científico Journal of Oral Microbiology, a pesquisa sugere que a presença desse microrganismo nos tumores está associada a melhor prognóstico e maior sobrevida dos pacientes.

Foto: Reprodução/Fapesp
Bactéria F. Nucleatum

Embora a F. nucleatum já tenha sido relacionada a inflamações bucais e ao agravamento do câncer colorretal, os novos dados mostram uma associação inversa no caso de tumores localizados na cavidade oral e orofaringe. Entre os 94 pacientes analisados, aqueles que apresentavam a bactéria nos tecidos tumorais viveram, em média, 60 meses, contra 36 meses dos que não apresentavam o microrganismo – uma diferença significativa de sobrevida.

Detecção ultrassensível e surpreendente localização

A equipe, liderada pelo pesquisador Rui Manuel Reis, utilizou a tecnologia de PCR digital ultrassensível para detectar a bactéria em amostras tumorais preservadas em parafina – um material normalmente degradado e difícil de analisar por métodos convencionais. A metodologia foi crucial para identificar a presença da F. nucleatum dentro das células tumorais, e não apenas na saliva, onde a bactéria é comumente encontrada.

“O diferencial foi a identificação da bactéria dentro do microambiente tumoral, algo que não era esperado”, destaca Reis. A F. nucleatum foi encontrada em 59,6% das amostras, com maior prevalência em tumores de orofaringe (62,1%) do que em tumores da cavidade oral (53,6%).

Possíveis implicações clínicas

A descoberta abre novas possibilidades na oncologia. Embora o mecanismo por trás dessa associação ainda não esteja completamente elucidado, uma das hipóteses é que a bactéria potencialize a resposta imunológica do organismo, tornando os tumores menos agressivos.

“Não sabemos ainda por que a presença da F. nucleatum está ligada a um melhor prognóstico, mas vamos aprofundar as investigações. Esse será o próximo passo”, explica o pesquisador.

O estudo também sugere que a bactéria poderia servir como um biomarcador útil para prognóstico e até mesmo para personalização de tratamentos. Se confirmada sua influência na resposta às terapias, como quimioterapia e radioterapia, a presença do microrganismo poderia guiar decisões clínicas no futuro.

Uma nova fronteira no estudo do microbioma

A pesquisa reforça a importância do microbioma oral na oncologia moderna. Tradicionalmente associado a cáries e doenças gengivais, o ecossistema microbiano da boca vem ganhando destaque por sua relação com diversos tipos de câncer.

“O estudo não é definitivo, mas é pioneiro ao mostrar a relevância dessa bactéria no contexto tumoral, não apenas bucal”, afirma Reis. Ele acredita que a F. nucleatum pode vir a ser classificada como uma ‘oncobactéria’ – um termo ainda novo, mas promissor.

“Se for comprovado que essa bactéria participa da origem ou evolução de certos tipos de câncer, poderemos até considerar o uso de antibióticos como tratamento complementar”, projeta o pesquisador.

A continuidade das investigações deverá determinar se a presença da F. nucleatum pode afetar de forma significativa a eficácia de diferentes terapias, contribuindo para o desenvolvimento de abordagens mais individualizadas e precisas no tratamento do câncer.

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