A esporotricose é a micose subcutânea mais prevalente no mundo, sobretudo em áreas tropicais e subtropicais. A infecção é causada por um fungo e se manifesta por meio de lesões na pele, podendo também causar feridas na mucosa oral e ocular. Sua principal forma de transmissão é por arranhões e mordidas de gatos domésticos infectados, e casos mais graves ocorrem em pacientes imunodeprimidos.
Dos 27 estados do Brasil, 26 apresentam diagnósticos confirmados, e o Rio de Janeiro é considerado o epicentro da doença. Em 2023, 1.239 casos foram registrados no País, e mais 945 casos foram notificados até junho de 2024, caracterizando uma epidemia. Apesar da disponibilidade de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), a doença ainda não é plenamente identificada: apenas no último dia 30 de janeiro a notificação da esporotricose se tornou obrigatória.
Nesse cenário, pesquisadores da USP publicaram um artigo de perspectiva para chamar a atenção para a reemergência dessa doença. “As doenças fúngicas, de forma silenciosa, vêm se tornando um problema, […] e são subestimadas em relação às doenças bacterianas e virais”, comenta, ao Jornal da USP, Carlos Aguiar, médico veterinário e doutorando no programa de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Além da ausência de vacinas disponíveis para prevenção, os antifúngicos existentes são extremamente limitados e, no caso da esporotricose, demandam três a seis meses de tratamento.
Aguiar complementa que, nos últimos anos, ocorreu uma grave subnotificação dos casos, o que gera dados não verídicos sobre a gravidade da disseminação no País. “Não sabemos realmente o panorama dessa doença; ela pode estar muito endêmica em uma região ou cidade específica, e isso não é divulgado porque não era notificado pelo sistema de saúde”, critica o cientista. Com a notificação compulsória, todos os casos suspeitos ou confirmados de esporotricose humana devem ser comunicados às autoridades de saúde locais por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
O Sporothrix brasiliensis, principal espécie causadora da doença no Brasil, é especialmente adaptado à infecção de mamíferos, pois sobrevive plenamente na temperatura corporal humana (36ºC) e na temperatura corporal felina (cerca de 39ºC). Essa termotolerância favorece o sucesso do fungo em relação a outros membros do gênero Sporothrix, como S. globosa, que não prospera bem acima de 35°C.
Assim, Sporothrix brasiliensis encontrou no País “o local perfeito para uma epidemia desde sua primeira descrição”, também devido à capacidade de infectar hospedeiros de sangue quente e à alta virulência. “Além disso, o grande número de gatos no País, aliado à falta de um sistema de notificação robusto, contribuiu ainda mais para as altas taxas de incidência da doença”, escrevem os pesquisadores.
Formas de transmissão
A esporotricose sapronótica é transmitida por acidentes com espinhos, palha ou lascas de madeira e contato com vegetais em decomposição, habitats naturais do fungo. Isso significa que ele tem capacidade de sobreviver sem um hospedeiro direto, o que amplia a possibilidade de contaminação.
Entretanto, sua forma mais comum de transmissão é zoonótica, ou seja, de animais para humanos: gatos que brigam ou se arranham nas ruas com objetos ou outros animais contaminados e, depois, arranham ou mordem seres humanos. “Quando um gato arranha o ser humano, principalmente nos braços, no antebraço e nas pernas, abre uma porta de entrada para o fungo se instalar e gerar essa doença”, explica Aguiar.
O pesquisador reforça que, por esse motivo, é importante manter gatos domésticos dentro de casa. “O gato tem o instinto natural de sair e caçar, mas se sabemos que é um local endêmico dessa doença, devemos evitar que eles tenham contato com outros animais e tragam esse fungo para dentro de casa — e transmitam para humanos”, afirma.