Karen e Caroline: os reflexos da nossa sociedade frente ao feminicídio no Piauí

Pelas vidas que perdemos, pelas vidas que sentem medo, pelas vidas que poderiam ter sido; pelos nossos destinos.

No primeiro domingo do mês de abril (05), Karen Silveira  sofreu uma tentativa de feminicídio do ex-namorado, na zona Leste de Teresina. No dia seguinte, em suas redes sociais, a influencer declarou: "Agradeço todas as manifestações de solidariedade. Como todos sabem, meu ex-namorado vem há meses tentando infernizar minha vida”. Dois meses antes, no dia 06 de fevereiro, a delegada Vilma solicitou uma medida protetiva de urgência contra a vítima, com fundamento na Lei Maria da Penha. Mas ainda assim, não foi o suficiente.

Em menos de 24 horas, criou-se várias narrativas sobre a vida da influencer. Sua vida pessoal e profissional virou o palco de justificativas por ter sito agredida com pedradas pelo ex-companheiro. Tudo no universo de Karen virou uma justificativa para que sua vida fosse retirada, no tribunal social que condenam as mulheres diariamente. Karen não mereceu nada disso, independentemente de qualquer coisa, como ainda não merece. Ela está viva, mas insegura.

Tentatitva de Feminicídio à Karen Eduarda no dia 5 de abril de 2020 (Foto: Portal AZ)

Exatamente seis dias depois, no último domingo (11), na zona Norte da capital, a vida de Caroline Naiane Brito Barbosa, de 33 anos, entrou para estatística de mortes por feminicídio. Motivado pelo ciúme e sentimento de posse, seu ex-companheiro lhe tirou a vida, na frente da filha de cinco anos.  Horas depois, Kelson Alencar morreu em um acidente na BR 316.

Caroline não conseguiu viver a vida que planejou, irá perder os melhores momentos da adolescência da filha. Nos corações da família, haverá sempre um pedaço faltando e a lembrança de uma mulher que tinha tudo pela frente, mas que teve um caminho interrompido pelo ódio institucionalizado às mulheres.

Caroline Naiane foi assassinada pelo ex-marido (Foto: Reprodução)

Precisamos falar de gênero 

A mesma violência que tirou a vida de Caroline é a mesma violência que poderia tirar a vida de Karen. Ambas as mulheres, apesar de nunca terem se conhecido e pertenceram a mesma cidade, andaram pelo mesmo caminho e quase tiveram o mesmo destino. Karen conseguiu chegar ao outro dia, Caroline nem conseguiu pedir ajuda.

Karen e Caroline: os reflexos da nossa sociedade frente ao feminicídio no Piauí (Foto: Reprodução)

Não há mais justiça na terra para ser cumprida, pois o seu algoz também morreu. Mas ainda há justiça para ser feita por Karen, ou quem sabe, pela moça do seu prédio que você escuta os gritos de ajuda à noite, pela sua colega de trabalho que não quis falar sobre porque estava chorando no horário do almoço, pela sua amiga de academia que apareceu com o braço roxo um dia desses. Ainda há muitas mulheres pra se fazerem justiça e por isso é tão importante falar de educação de gênero. 

 A cada duas horas uma mulher morre no Brasil vítima de violência, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o G1 e o núcleo de estudos de violência da USP. O levantamento observou que das 57 edições do Jornal Nacional, em 36 apareceram casos de feminicídio. Se todas as reportagens fossem condensadas em um programa, seriam aproximadamente duas horas de noticiário.

E o que percebemos com isso? 

Nossas leis são punitivas, mas homens ainda continuam matando suas companheiras e ex-companheiras de forma sistêmica, principalmente por motivos torpes. Armas matam, facas tiram vida e pedradas também, mas nossa cultura também tem uma imensa parcela de culpa nas mortes brutais às mulheres. E é por isso, que mais nunca, além das leis baseadas em punição e medidas protetivas, precisamos de medidas que funcionem antes do crime. 

A ONU (Organizações das Nações Unidas) classificou o Brasil como um dos países mais perigoso para mulher no mundo. Entretanto, em termos legislativos, a delegada Débora Rodrigues, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) no Rio de Janeiro, pontuou a Lei Maria da Penha como a terceira melhor lei de proteção à mulher do mundo. Mas as leis servem para resolver o problema que está acontecendo ou já aconteceu, e muitas vezes, transformou a vida de uma mulher em porcentagem. Ainda que seja bastante preponderante aplicação da justiça aos agressores, é imprescindível que haja medidas educativas pautadas nas questões de gênero para evitar que nossos meninos sejam agressores.

Infelizmente, não estamos preparados para reconhecer e receber mulheres em situação de violência, muitas vezes, nem mesmos nas nossas delegacias. A nossa sociedade está estruturada nos pilares machistas, logo, a violência às mulheres também será calçada nesses paradigmas. Por sua vez, teremos homens que enxergam a mulher como sua propriedade. E nessa lógica, por não aceitarem o fim de relacionamentos, decidem por matar suas ex-companheiras. 

Precisamos com urgência pensar nas possibilidades que as ações educativas de gênero poderá modificar nossa cultura machista e misógina. Uma cultura política que envolva educação de gênero e enlace uma nova mentalidade social sobre o local que a mulher fala, estar e permanece. Não será um processo rápido, mas ele precisa acontecer. 

Novos destinos 

Caroline não terá mais uma chance. Seu agressor não pagará pelo que fez. Karen ainda corre perigo, mas ainda assim, dizem que foi culpa da sua roupa. Ela ainda está viv, mas se algo acontecer a ela, quem será o culpado? A sociedade teresinsense só irá prestar solidariedade quando Karen virar estatística?

Falo diante de uma perspectiva teórica que defende os direitos das mulheres e assumo meu ponto de partida político no mundo, pois também tenho medo de virar uma porcentagem e percebo a importância de falar com meninas e meninos sobre essa relação de poder que nos dada como herança social em condição subalterma. 

Devo viver um destino que não pode ser interrompido por uma questão cultural baseada em ódio. Não apenas eu, nem Karen, nem mulheres de Teresina, Brasil e mundo. 

Para Caroline, restam apenas sentimentos de pesar. Para nós, mulheres que estamos aqui, nos restam medo e tristeza. Mas que também não nos falte coragem de denunciar, reivindicar e também, reinventar uma cultura que nos enxerga de igual pra igual. 

Para finalizar, com a intuição de que um dia poderemos ter as rédeas de nossas vidas sem o medo nos assolando nas esquinas e dentro dos nossos lares, deixo uma célebre passagem de uma das minhas escritas favoritas, Chimamanda Ngozi:

"Nossa premissa feminista é: eu tenho valor. Eu tenho igualmente valor. Não “se”. Não “enquanto”. Eu tenho igualmente valor. E ponto final. A segunda ferramenta é uma pergunta: a gente pode inverter X e ter os mesmos resultados?". 

Assim, busco pensar em um dia nossa cultura seja pautada em ideias que reconheça nosso valor, sem que nossa roupa nos qualifique, nosso modo de viver, as escolhas que tomamos e seguimos sejam respeitadas. Sem mas. E então, poderemos perceber, que apesar de poder inverter a cultura, não teremos resultados de ódio ou superioridade, mas de igualdade: pelas vidas que perdemos, pelas vidas que sentem medo, pelas vidas que poderiam ter sido, e principalmente,  pelos nossos destinos.

Falando Abertamente

O blog Falando Abertamente será um novo espaço dentro do Portal AZ para falar de temas corriqueiros da sociedade piauiense e até mesmo, casos nacionais que ocorrem na semana. Para ter acesso em primeira mão do será lançado, os leitores poderão nos acompanhar pelo instagram do blog @blogfalandoabertamente, ou nas redes sociais do Portal AZ. As produções serão mantidas pela estudante de jornalismo da Universidade Estadual do Piauí e repórter do Portal AZ, Vitória Pilar. Em breve, mais conteúdo!

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