O Edmund Burke brasileiro

Lições de Bernardo Pereira de Vasconcelos

Num país que vive nas sombras e faz questão de jogar no limbo do esquecimento os seus grandes baluartes, recordá-los é um imperativo intelectual – e até mesmo moral – para quem quer conhecer a nossa história. Tanto se fala dos Estados Unidos como modelo de preservação histórica, de como a nação americana celebra o legado dos Founding Fathers e recorda as lições daqueles que a tornaram grande e próspera. Não por acaso as casas em que viveram os pais fundadores são centros de peregrinação turística até hoje.

Foto: Reprodução/Gazeta
Pois bem, o Brasil teve uma horda de homens tão talentosa e sábia quanto George Washington, Thomas Jefferson, John Adams e tutti quanti. José Bonifácio de Andrada e Silva é certamente o maior expoente dessa leva, merecedor da alcunha de fundador do país. Outro que se destaca é um mineiro que foi o maior doutrinador político de nossa história, homem com espírito de estadista ímpar e exemplo para as gerações posteriores. Temido, amado, odiado e até mesmo difamado, sua presença no debate público não passou despercebida nos tempos em que viveu. Estou falando de Bernardo Pereira de Vasconcelos.
Não cabe fazer uma pequena biografia neste artigo, o espaço não me permite tal façanha. Vasconcelos era um homem do Direito, alguém com formação jurídica e capacitado para os grandes feitos que veio a realizar, tendo servido como magistrado em Guaratinguetá. Teve atuação jornalística de relativo destaque como redator de ‘’O Universal’’, jornal publicado em Ouro Preto.
Vasconcelos foi eleito deputado em 1826. Era uma época tormentosa, com a indisposição das elites políticas e de uma parcela significativa da população com Dom Pedro I. Liberal por convicção e autoritário pelo gosto do mando, era o imperador um paradoxo singular. As ideias liberais e republicanas faziam a cabeça de muita gente, e a falta de temperança do mandatário supremo colaborava com o alastramento de tais doutrinas. A Confederação do Equador foi a maior prova da chama republicana estar mais viva do que nunca no Império incipiente. A jovem nação carecia de estabilidade política.
Embebido no caldo liberal de então, Vasconcelos pautou a sua atuação política na defesa da separação dos poderes, da descentralização administrativa e dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. O seu liberalismo à moda inglesa pautava ações que respeitassem as particularidades da realidade brasileira. Debatedor ágil, era o terror dos ministros do Império que prestavam esclarecimentos aos deputados. Por tamanha habilidade e sua ironia ao lidar com os adversários, foi malquisto por muitos dos seus pares, mas jamais ignorado. Quando o deputado mineiro falava, a atenção dada era total – tanto dos entusiastas quanto dos detratores.
Após a renúncia de Dom Pedro I, veio a oportunidade de servir como ministro da Fazenda, logo retornando à Câmara. A eleição de Diogo Antônio Feijó – seu antigo aliado – para o cargo de regente foi o apogeu do ideal liberal no país. Antes disso, porém, veio o advento de algo importantíssimo e que moldou a política brasileira, bem como a carreira política de Vasconcelos: o Ato Adicional. Convertido em lei em 1834, foi um projeto de reforma descentralizadora que deu enorme poder às províncias com a criação das assembleias locais. Com isso, o Brasil viveu dias tormentosos de revoltas de cunho separatista e republicano, mergulhando numa anarquia que ameaçava seriamente a unidade nacional.
Vasconcelos colaborou com a confecção do Ato Adicional, mas logo percebeu os danos da obra. Ao atestar os efeitos nefastos, passou a defender a centralização política como remédio para as sedições oriundas da ausência de um centro de poder forte e garantidor da ordem. Foi aí que pronunciou o discurso que o imortalizou na vida política brasileira. ‘’Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade; os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la: e por isso sou regressista’’.
A sua guinada política foi exposta em tal discurso: Vasconcelos entendeu que ordem era fundamental e garantia as liberdades defendidas pelos elementos anárquicos e liberais ao extremo. Ao ter como norte a centralização, tinha o desejo de preservar os ideais ameaçados pela desordem institucional gerada pelas revoltas e sublevações regenciais. Tal ideia foi a base da plataforma do Partido Conservador, que nasce em 1836 e implementa a ‘’política do Regresso’’, âncora da estabilidade institucional vivenciada pelo país no Segundo Reinado.
Em toda a sua atuação política, Vasconcelos demonstrou um senso de realidade que falta aos homens públicos dos dias atuais. Ao detalhar a pequenez do seu túmulo, Otávio Tarquínio de Sousa na biografia do ilustre mineiro que ‘’num túmulo de criancinha dorme um dos maiores homens que o país já teve’’. Pequenez que não coaduna com a sua grandeza. Bernardo Pereira de Vasconcelos merece a sentença dada pelo referido historiador. 
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