Por que 90% dos dados da internet brasileira chegam por uma praia no Ceará?

Praia do Futuro, em Fortaleza, concentra 16 cabos submarinos e se tornou o principal hub de conectividade da América Latina

Nem satélites, nem sinais sem fio: apesar da popularização do 5G e da chamada “nuvem”, o tráfego de dados entre continentes ainda depende majoritariamente de uma estrutura física complexa e robusta — e grande parte dela passa por debaixo do mar. No Brasil, 90% desses dados chegam por um único ponto: a Praia do Futuro, em Fortaleza (CE).

O local abriga a ancoragem de 16 cabos submarinos de fibra óptica que conectam o país à Europa, África, Caribe e Estados Unidos. Com isso, a capital cearense tornou-se a primeira da América Latina e a 17ª no mundo com maior concentração de cabos submarinos, segundo levantamento da consultoria internacional TeleGeography. O ranking é liderado por Cingapura, com 28 cabos.

Foto: Reprodução/TeleGeography
Praia do futuro tem a maior concentração de cabos submarinos para internet da América Latina

Especialistas apontam diversos fatores decisivos:

Além do turismo e da paisagem típica do litoral nordestino, a Praia do Futuro também abriga instalações de segurança de alto nível. Atualmente, seis data centers operam com certificações avançadas, mantendo os serviços ativos mesmo em caso de desastres climáticos ou quedas de energia. Um deles, o da Angola Cables, ocupa uma área de 3 mil m² a apenas 850 metros da orla.

Ali, cabos como o que liga Angola ao Brasil chegam ao continente após percorrerem milhares de quilômetros pelo fundo do mar. A estrutura é hermeticamente fechada, climatizada e acessível apenas a poucos funcionários autorizados. Além disso, outros três data centers estão em construção no estado, com investimentos estimados em R$ 2,1 bilhões.

Outro megaprojeto previsto para o porto do Pecém deve abrigar um centro de dados orçado em R$ 50 bilhões. Segundo a empresa Casa dos Ventos, responsável pelo empreendimento, o início das obras está previsto para o segundo semestre de 2025, com funcionamento previsto para 2027. A chinesa ByteDance, dona do TikTok, demonstrou interesse no projeto, segundo informações da agência Reuters — embora a empresa não confirme oficialmente.

O NIC.br (órgão gestor do “.br”) explica que os cabos são “rodovias de informação” que se conectam aos data centers, os verdadeiros “cérebros da internet”. Ao sair da Praia do Futuro, os dados seguem por fibras até os grandes centros urbanos brasileiros, como Recife, Salvador e São Paulo, sendo redistribuídos ao restante do país.

Para o professor de Telecomunicações da UFC, Rodrigo Porto, a infraestrutura “transformou Fortaleza em um hub global da internet”, com baixíssima latência para o Brasil, Europa e EUA — um alívio essencial para serviços em nuvem, streaming e jogos online .

Curiosidade 

A internet global ainda depende quase que totalmente de cabos submarinos — cerca de 97% do tráfego mundial segue por esse tipo de infraestrutura, enquanto satélites respondem por cerca de 3%. A vida útil média desses cabos é de 25 anos, e seu reparo pode custar centenas de milhões de dólares.

A “nuvem” é física

“A nuvem é só uma imagem que a gente usa, mas, na verdade, tudo é engenharia, tudo tem meio físico, tem equipamento”, resume Rodrigo Porto, professor titular de Telecomunicações da Universidade Federal do Ceará.

O que permite que filmes da Netflix ou arquivos salvos na nuvem cheguem em poucos segundos a uma tela no Brasil é, na verdade, uma longa jornada por fibras ópticas transcontinentais — que, na maioria das vezes, começa (ou termina) sob as areias da Praia do Futuro.

Se um cabo quebrar?

Apesar de robustos, os cabos submarinos têm vida útil estimada de 25 anos e podem sofrer danos por causas naturais ou por sabotagens. Quando o rompimento ocorre em regiões rasas, mergulhadores especializados podem fazer o reparo. Em águas profundas, o processo exige tecnologia mais complexa, como robôs subaquáticos ou a elevação dos cabos à superfície.

Nos últimos dois anos, ao menos 11 cabos no mar Báltico foram danificados em meio ao conflito entre Rússia e Ucrânia, levantando suspeitas de ataques deliberados.

No Brasil, caso um dos cabos que chegam pela Praia do Futuro apresente falha, o impacto seria sentido principalmente em serviços que dependem de servidores estrangeiros. Ainda assim, o prejuízo seria limitado. Isso porque entre 70% e 80% do tráfego de dados no país circula internamente, de acordo com o NIC.br, graças à estrutura nacional do IX.br — sistema de interconexão que garante a continuidade dos serviços mesmo em situações adversas.

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