Cidadão contra cidadão

Cidadão contra cidadão

O decreto sobre a posse de arma assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no final da manhã desta terça-feira (15) permitindo que o cidadão possa adquirir até quatro armas de fogo e, em casos específicos, o limite pode ser ultrapassado, não oferece garantia de que todos vão deixar a arma em casa ou no trabalho. Num país como o Brasil, que registra em média 62 mil homicídios por ano, é duvidoso crer que, mesmo com o direito de posse, o sujeito não vá circular pela rua ou local público com ela.

A maioria dos casos de assaltos nos grandes e médios centros urbanos ocorre na rua ou em transporte coletivo e não em casa, que é raro. O roubo de veículos que também possui estatísticas faz com que o proprietário decida descumprir a norma de manter a arma em casa e colocá-la no carro para reagir em caso de abordagem criminosa. Nesses casos, o risco será de ambos os lados com maior prejuízo para o cidadão que vive para o trabalho e a família, que pode morrer estupidamente devido a reação.

No início será possível o proprietário da arma mantê-la em casa mas com o tempo ele pode ver que não haverá problema de transportá-la no carro. Aí que mora o perigo pelo fato de, confiante por estar com a posse de uma arma, o sujeito, que se achará sempre cheio de razão, vai querer resolver conflitos de trânsito ou de mesa de bar na base da bala, aumentando as estatísticas de homicídio. Quando isso acontecer, quem se responsabilizará por o que vier a acontecer nos conflitos entre pessoas de bem?

Há 14 anos a população foi às urnas convocadas para um plebiscito para decidir se queria a liberação do uso e porte de arma livremente e optou pelo não autorização, levando o Congresso Nacional a aprovar a Lei do Desarmamento. Essa lei proíbe o porte de arma, exceto para as instituições oficiais que atuam com elas, como exército, polícia, serviços de segurança particulares ou quem o estado permite mediante uma série de exigências. O porte ilegal de arma conduz o portador à prisão.

Embora o texto do decreto modifique alguns dispositivos do decreto de 2004, que regulamentou a Lei do Desarmamento, ele mantém a essência mas amplia a validade do registro de 5 para 10 anos. O que preocupa é o fato de o decreto apontar que o estado, ao analisar a solicitação para ter a posse da arma, vai presumir que os dados fornecidos pelo cidadão para comprovar a “efetiva necessidade” são verdadeiros, sem exigir a comprovação de que o indivíduo realmente precisa da arma.

Jair Bolsonaro fala em direito do cidadão ter a posse de arma mas não fala em nome daqueles que não gostam nem têm qualquer desejo de possuir uma, ou seja, o indivíduo pacífico desprovido de sentimento de retaliação mesmo em casos em que necessite agir em legítima defesa. Com efeito, esse cidadão pacífico é quem será a principal vítima dessa medida, sem esquecer aqueles que reagem ou reagirão diante da afronta de outro que vier cobrar razão na hora de uma discussão. Em suma, esse ato não vai colocar só cidadão contra bandido mas também cidadão contra cidadão.

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