Prefeita Fernanda Marques x Inelegibilidade

Fernanda Marques teve contra si sentença penal condenatória transitada em julgado por crime contra a Lei Geral das Telecomunicações

Por Miguel Dias Pinheiro, advogado
 

Nesta quinta-feira (15), com uma publicação exclusiva no Portal AZ, repercutiu bastante o parecer do advogado Miguel Dias Pinheiro sobre a possível "extinção do mandato" da prefeita de Luzilândia-PI, Fernanda Marques, que teve contra si sentença penal condenatória transitada em julgado por crime contra a Lei Geral das Telecomunicações, da alçada da Justiça Federal do Piauí.
Como pena acessória, o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI) foi comunicado sobre a suspensão dos direitos políticos da prefeita. Agora, cabe ao TRE-PI debruçar-se sobre a questão.

Nesta sexta-feira (16), o advogado volta a analisar a questão. Agora, com base em uma Súmula do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que coloca mais polêmica.

Veja o texto:

Sem delongas, vamos ao que dita a Súmula 9, do Colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), usando das atribuições que lhe confere o art. 23, XV, do Código Eleitoral.

Súmula: 9: "A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos". Referências: CF, art. 15, III; Ac.-TSE nº 12926, de 1º.10.1992, no Recurso nº 10797; Ac.-TSE nº 12877, de 29.9.1992, no Recurso nº 9760; Ac.-TSE nº 12731, de 24.9.1992, no Recurso nº 9900.

Sobre o tema, a jurisprudência:

Ministro PAULO BROSSARD, presidente e relator – Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Ministro CARLOS VELLOSO – Ministro AMÉRICO LUZ – Ministro JOSÉ CÂNDIDO – Ministro TORQUATO JARDIM – Ministro EDUARDO ALCKMIN – Dr. GERALDO BRINDEIRO, vice-procurador-geral eleitoral - O verbete sumular 9 do TSE é claro ao afirmar que não é necessária a reabilitação. Uma vez declara a extinção da punibilidade ou extinção da pena, o interessado não precisa ser reabilitado. O doutrinador JOEL JosÉ CÂNDIDO é favorável a dispensa da reabilitação, fazendo menção a posição contrária do doutrinador ANTONTO CARLOS MENDES.

Em que pese a patente prescrição das pretensões punitiva e executória do crime e da pena, respectivamente, uma questão vem sendo ventilada sobre a suspensão dos direitos políticos da atual prefeita de Luzilândia(PI), Fernanda Marques.

Perguntas, então, não querem calar: 

"A prefeita perde o mandato e ficará inelegível? A prefeita não perde o mandato e não ficará inelegível? A prefeita não perde o mandato, mas ficará inelegível para tentar a reeleição?".
Confesso que a questão merece um estudo bem mais aprofundado. E não seria aqui, neste restrito espaço, que se esgotaria o tema. NÃO!

É certo que alguns advogam a tese de que a suspensão dos direitos políticos como causa para a inelegibilidade - ainda que haja a prescrição do crime ou da pena - deva prevalecer para o presente momento e para o futuro. A um, pela perda mandato; a dois, pela inelegibilidade até 8 (oito), dado que tal penalidade começou a correr após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

A "quaestio juris" é controvertida, sem dúvida! Porém, comungo da tese defendida pelo saudoso desembargador Onésimo Nunes Rocha, do egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso, segundo o qual “(...) Uma vez declarada a prescrição retroativa não há mais falar em culpabilidade do agente. Nenhuma implicação futura poderá causar sobre seus antecedentes. Extingue-se, em suma, a própria ação penal e se apagam todos os seus efeitos.” ((RT 638/321).

Observem as expressões na decisão do desembargador: "...e se apagam todos os seus efeitos."
Ora, quais os efeitos da condenação imposta a Fernanda Marques? A pena cominada na sentença e a suspensão dos direitos políticos. Se a prescrição atinge o principal (pena de detenção) e o acessório (direitos políticos), ensejando, pois,  a extinção tanto da ação penal e do crime em tela, não existe mais processo-crime no tempo e no espaço, nem, evidentemente, ação penal, considerando-se prescritas a pena principal e a acessória.

“A prescrição é matéria de ordem pública e deve ser conhecida independentemente da vontade do réu, cuja declaração, com amplos e abrangentes efeitos, põe fim à demanda, apagando todo o acontecido, tal como se jamais tivesse existido, considerado o réu inocente com todos os seus corolários, obstruindo, por isso, a apreciação do ‘meritum causae’.” (RT 646/299-300, Rel. Juiz RIBEIRO DOS SANTOS – grifei).

Veja! O "meritum causae" de que trata a decisão do juiz citado no julgado acima são exatamente as condenações impostas à prefeita, ou seja, a pena privativa de liberdade e a suspensão dos direitos políticos. Se ambos ou ambas estão prescritos(as), não se pode mais falar de processo-crime e nem tampouco de ação penal.

“Extinta a punibilidade pela prescrição da ação penal, não há como pretender-se o julgamento pelo mérito, pois o juiz, ao reconhecê-la, deverá declará-la de ofício, como o dispõe o art. 61 do CPP.” (RT 531/346, Rel. Juiz CUNHA CAMARGO.

Destaque-se:

"(...) 1. A prescrição da pretensão punitiva, diversamente do que ocorre com a prescrição da pretensão executória, acarreta a eliminação de todos os efeitos do crime. 2. A prescrição é matéria de ordem pública, por essa razão deve ser examinada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do interessado, e, caso reconhecida em qualquer fase do processo, torna prejudicada a questão de fundo". Precedentes: AgRg no RE nº 345.577/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Dj de 19/12/2002; HC 73.120/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 03/12/99; HC nº 63.765/SP, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 18/4/86).

Salvo outro entendimento, pena acessória é aquela aplicada simultaneamente com a pena principal. Como dizem os juristas, tribunais e a doutrina especializada, "a fim de proteger determinados interesses colocados em perigo em razão da prática de um crime". Em outras palavras, desaparecendo o crime e a pena como condenação principal, desaparece o acessório, suspensão dos direitos políticos. Claro!

A aplicação da pena acessória compete exclusivamente à justiça criminal. E, claro, deve ser declarada na sentença. Só nas hipóteses do parágrafo único, do art. 70, do Código Penal, é que as penas acessórias resultam da simples imposição da pena principal. Interpretação conforme dos arts. 68, 69 e 70, da lei penal citada.

Ademais, quando o juízo das Execuções Penais na esfera federal do Piauí comunica ao Tribunal Regional Eleitoral do Piauí(TRE-PI) sobre a suspensão dos direitos políticos da prefeita Fernanda Marques,  não se reporta e nem diz que o tribunal citado tenha que declarar e/ou decretar a extinção do mandato eletivo da prefeita. NÂO! Mesmo porque não se trata de crime político, mas de crime comum, ainda que no âmbito federal, dada a competência originária.

Ao comunicar ao TRE-PI a suspensão dos direitos políticos, questão natural, corriqueira e comum, a Justiça Federal faz apenas seu dever-legal, um admoestação para um futuro político-eleitoral da prefeita, ou seja, de que daqui a 8 (oito) anos ela não possa se candidatar e nem exercer funções públicas, ainda que caiba contrariedade jurídica no tempo oportuno, dentro das garantias constitucionais.

Contudo, para finalizar, bom lembrar do bordão popular que diz: "Cabeça de juiz é como bunda de nenem, ninguém sabe o que vai acontecer". Até porque, quando nos socorremos da hermenêutica jurídica o ato de julgar será sempre humano, em casos como tais, aqui e alhures!

Segue o parecer, salvo melhor juízo!

TERESINA, 15 de junho de 2023.

MIGUEL DIAS PINHEIRO, ADVOGADO

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