E nós, depois?

Coluna do Sarney

O último livro do Yuval Harari que eu li, Nexus, me assustou. Ele nos diz que vem aí, daqui a 200 anos, uma civilização que vai substituir a nossa, a dos computadores, e que essa civilização terá outros sentimentos que não os nossos. O amor não será o nosso, nem o ódio, nem o perdão. Nem as crenças serão as nossas. E ainda que, como hoje temos as nossas mitologias, essa civilização também terá as suas, e por aí ocorrerá a extinção dos humanos como eles são hoje, substituídos por uma fornada de humanos que terão outras emoções, diferentes das nossas. É de alarmar. Não será mais para mim nem para nós! Ninguém do nosso tempo verá isso.
Lembro-me de uma anedota, entre as muitas que ouvi em Roma, quando do Concílio do Vaticano II, que se contava de dois cardeais que se dirigiam para a reunião, eles bem velhos, um disse para o outro: “Devemos nos levantar para extinção do celibato na Igreja Católica.” O outro respondeu: “Mas não será mais para nós, não é?”  Ao que seu interlocutor, acrescentou: “Mas será para nossos filhos.”
No nosso caso, nem para os filhos dos nossos filhos.
Mas quando eu pensei nessa gente daqui a duzentos anos tive muita pena deles. Não assistirão ao jogo do Flamengo contra o Chelsea, nem ao carnaval do Rio e nem à festa de Nazaré em Belém, nem ouvirão O Peba na Pimenta, do João do Vale, nem O Siri jogando bola, do Luiz Gonzaga, nem poderão ver o Lula vencendo na eleição o José Serra, nem o programa do Chacrinha — e também não poderão chorar a tristeza de uma saudade, como a que sinto do arcebispo e cardeal de Brasília Dom Falcão.
Eu quis experimentar como será esse novo humano: coloquei-me em frente do meu computador e entrei no futuro: havia doze dedos em minhas mãos — seis dedos em cada mão, como O homem que matou Getúlio Vargas, “descoberto” por Jô Soares —, e meu computador não usava mais o sistema binário, de zero e um. Era um algoritmo que fazia o papel de zero e outro que fazia o do um. O sistema binário havia desaparecido, substituído por uma nova linguagem em que não tínhamos mais zeros. Como não existir zero, número do nada que passa a ser tudo a partir do 10, 200 etc? Ainda com minha “roupa de futuro”, vi que o registro dos séculos estava escrito com cinco dígitos! A partir daí eu não entendi mais nada, saí da máquina imaginária, que também não era mais o meu computador.
Mas essa gente do futuro, de qualquer maneira, vai ter que opinar e também ficará revoltada com essa matança em Gaza. Lembro-me do romance de Huxley, Sem Olhos em Gaza, muito diferente da realidade de hoje, com grande crítica da sociedade, a descrição da vida de Anthony Beavis, sua conversão e um grande sentimento de paz.
O que há de verdade no livro do Harari? Tudo e nada. Tudo porque diz dos avanços da era digital. Nada, porque faz previsão do que acontecerá com a nova tecnologia sem que se possa basear em nada de concreto.
A descoberta dos computadores data dos anos 1960. Em 1980 começou a ter um desenvolvimento tecnológico extraordinário até chegarmos aos dias atuais em que entramos na era da Inteligência Artificial (IA). E é a grande moda — para não dizer a grande preocupação dos cientistas — antever o que acontecerá com as IAs, até saber se as máquinas se revoltam, ou não, contra o criador, no velho ditado popular de que toda criatura se revolta contra o seu criador. Isso, na nossa civilização, na política, é lei: acontece sempre. Não só na política como também na administração pública.
Quando eu era presidente da República e tinha que escolher em uma lista tríplice para nomear uma autoridade maior — ministros dos tribunais superiores, presidentes do Banco Central, de agências e demais cargos —, o José Hugo, então Chefe da Casa Civil, me advertia: “Aqui está uma lista para o senhor escolher um nome. Naturalmente, dois ficarão zangados porque preteridos, e o nomeado será um traidor, porque vai dizer sempre que nada deve ao senhor, e sim aos seus próprios méritos. Então, o senhor terá dois inimigos e um traidor. ”
O que há de verdade é que os computadores já estão conversando entre eles mesmos, sem dar bola aos seus criadores nem aos provedores que os alimentam.
As operações financeiras de mais de sete trilhões de dólares, diariamente, têm mais de 90% de suas operações feitas por computadores — uns falando com outros computadores e chegando a encontrar o valor do câmbio.
Como anotou Harari, “Em 2017, só os homens podiam disseminar mensagens anônimas online. A partir do ano passado, sofisticação linguística e política similares podem facilmente ser compostos por computadores, independentemente da interferência dos homens. ”
Assim os computadores já estão independentes e podem fazer tudo. Não dependem mais de nós. Péssima notícia.
Mas eles precisam de muita energia. E isso depende de nós.
É verdade que essa turma não precisa aturar o Trump com suas vacilações.
E nós, depois? Vamos torcer pelo Flamengo, e os algoritmos vão chupar dedo!

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