A nulidade do inquérito policial e a ofensa à dignidade humana
Vícios são gravíssimos e comprometem a credibilidade policial
Na labuta forense, costuma-se dizer as “irregularidades verificadas no decorrer do inquérito policial não contaminam a ação penal”; que as “máculas e os vícios do inquérito policial não se transmudam automaticamente para o processo”. Não é bem assim!
Em extraordinário estudo, Aury Lopes Jr. e Ricardo Jacobsen Gloeckiner, em "Investigação preliminar no processo penal", dizem que "a natureza administrativa do inquérito policial não o blinda contra as garantias processuais próprias do sistema processual penal constitucional brasileiro. (…) A não transmissibilidade de um vício do plano administrativo ao judicial (…) significaria que haveria um nível de proteção de direitos fundamentais diferente conforme se trate de um e outro plano jurídicos (…). A alusão de que o inquérito policial não se subsume ao controle de legalidade equivale a uma declaração de presunção absoluta de sua regularidade. (,…) Imunizar esse ato contra qualquer declaração de invalidade é blindá-lo contra o exame de legalidade..."
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"Não há como aceitar a versão que não admite vícios no Inquérito Policial, visto que a formalidade dos atos existe (eis o CPP, artigo 4 a 23) e a forma, como visto, mormente na esfera criminal, é garantia do cidadão perante os atos do Estado", diz com muita sabedoria a jurista Érica de Oliveira Hartmann, em seu "Nulidade no Inquérito Policial – reconhecimento e consequências, in "Raízes Jurídicas". v. 4. n.1. jan/jun. Curitiba, 2008, p. 296.
Doutrinadores como Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Celso Antônio Bandeira de Mello dizem que o inquérito policial deve, sim, obediência à forma do Código do Processo Penal e da Constituição Federal, elencando, para tanto, alguns vícios que podem emanar do ato administrativo irregular:
a) invalidações (ato anulável ou ato nulo): defeitos que acarretam a invalidação do ato, seja por nulidade relativa ou absoluta;
c) inexistências: deficiências que acarretam a não existência do ato, pois a imperfeição antecede a própria consideração sobre a validade do ato.
Todos esses vícios são gravíssimos e comprometem a credibilidade policial.
Por isso, dizem Aury Lopes Jr. e Ricardo Jacobsen Gloecknier, "os atos investigativos, ao ingressarem no plano processual, devem se submeter aos mesmos critérios de legalidade e constitucionalidade", da mesma forma que se exige para uma sentença ou acórdão criminal.
Se provas e/ou indícios do inquérito são anuladas(os) ou nulificadas(os) pelo Judiciário, a forma constitucional não foi seguida na sua inteireza pela polícia.
O inquérito policial é importante, sim! Veja que, com base nele, pode-se retirar ou restringir a liberdade de alguém. E, em certos casos concretos e específicos, alguém poderá até perder até os próprios bens. Aliás, um inquérito é capaz de destroçar famílias, ainda mais resultante de vícios com consequências irreparáveis.
Não se pode minimizar e relativizar as consequências de um inquérito policial maculado, contaminado, eivado de vícios que afetam sua credibilidade. Não! O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve a oportunidade de dizer, com todas as letras, que “as nulidades verificadas na fase pré-processual, e demonstradas à exaustão, contaminam futura ação penal” (STJ, HC 149.250, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, DJ 07/06/2011).
Para concluir, socorrendo-se do jurista graduado pela PUC-MG, Leonardo Lopes de Almeida Duarte, "o erro faz parte da essência humana e nem mesmo a autoridade policial, por mais competente que seja, está isenta de equívocos e falsos juízos. ...Diante disso, é de imensa importância que o inquérito policial seja desenvolvido sob a égide constitucional, respeitando os direitos, garantias fundamentais do acusado e, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador do ordenamento jurídico brasileiro".
Fonte: Portal AZ