Autolavagem de dinheiro e os riscos da ampliação do poder punitiva
A autolavagem de dinheiro tem ganhado espaço nas pautas jurídicas
Especialmente em razão da crescente criminalização de condutas associadas à ocultação de bens obtidos de forma ilícita. A situação ocorre quando o próprio autor de um crime tenta disfarçar a origem dos recursos provenientes do seu próprio ato ilícito — por exemplo, um agente que, após cometer corrupção ou tráfico de drogas, utiliza mecanismos para simular legalidade ao dinheiro obtido.

À primeira vista, essa prática parece naturalmente reprovável. No entanto, sua punição autônoma levanta um importante debate: é juridicamente legítimo punir duas vezes o mesmo agente pelos efeitos de um único fato criminoso?
No contexto atual, legislações nacionais — muitas vezes moldadas por pressões de tratados e organismos internacionais — passaram a tratar a autolavagem como uma nova infração penal, distinta do crime antecedente. Isso significa que o agente pode ser processado e condenado tanto pelo delito original quanto pela tentativa de ocultar os valores gerados por ele.
Ocorre que, do ponto de vista do direito penal constitucional, essa duplicidade fere princípios fundamentais, como o ne bis in idem, a fragmentariedade e a intervenção mínima. Não se trata de defender a impunidade, mas sim de preservar os limites da atuação estatal, evitando que o sistema penal seja transformado em ferramenta de repressão excessiva e de desequilíbrio processual.
Defendi esse ponto de vista na obra A punibilidade da autolavagem de dinheiro, publicada recentemente, onde sustento que, caso o Brasil opte por manter a criminalização da autolavagem, é necessário estabelecer limites objetivos para sua aplicação. Esses limites devem garantir que a punição cumpra sua finalidade — o combate ao uso do sistema financeiro para fins ilícitos — sem violar as bases constitucionais do direito penal.
Também é preciso avaliar com cautela a influência de convenções e organismos internacionais na formulação de normas penais internas. A autonomia do ordenamento jurídico nacional deve prevalecer quando estiver em risco o equilíbrio entre repressão e garantias individuais.
O debate sobre a autolavagem está longe de ser meramente técnico. Ele toca em valores estruturantes do Estado de Direito e da atuação do Judiciário. Refletir sobre isso, sobretudo em tempos de forte mobilização política e midiática em torno do combate à corrupção, é um dever de todos os que atuam no campo jurídico com responsabilidade e compromisso com a justiça.
* Rafael Junior Soares é advogado, autor do livro “A punibilidade da autolavagem de dinheiro”, com atuação nas áreas de direito penal.
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*Rafael Júnior Soares é advogado, Doutor em Direito Criminal
Fonte: Rafael Júnior Soares