O Brasil voltou a jogar bola

Chegou a hora de dar fim ao complexo de vira-latas no futebol

Por Redação do Portal AZ,

O futebol brasileiro, essa entidade quase mística que nos deu Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldinho e o “Menino” Ney  e, tantos outros heróis da bola, viveu por anos sob o peso de um trauma: o 7x1.

Desde aquele fatídico jogo contra a Alemanha em 2014, parecia que nos tornamos órfãos de nós mesmos.

Adotamos um olhar torto para o que é nosso, como se carregar a amarelinha fosse um fardo, não um privilégio. Os times brasileiros eram inferiores aos europeus e sua folha de pagamento em Euro.

Foto: ReproduçãoFlamengo

Nossos próprios craques passaram a ser mais respeitados depois que ganhavam sotaque europeu. E assim nasceu, ou melhor, foi reanimado, velho e humilhante complexo de vira-latas.

Mas esse Mundial de Clubes está prestando um serviço de ordem moral, ao está esfregando na cara do brasileiro que, quando nossos jogadores deixam o calor de 40 graus, o campo esburacado e o vestiário com chuveiro frio, e entram num gramado de elite, com água Perrier no banco de reservas, eles mostram quem realmente manda.

O que parecia indisciplina tropical vira talento indomável. O jogador que dribla buraco e adversário com a mesma ginga, quando recebe estrutura, vira leão, seja o Botafogo ou o Flamengo.

O problema nunca foi o jogador brasileiro. Foi o nosso olhar colonizado.

Não é à toa que, em 1958, Nelson Rodrigues já denunciava essa tara nacional por tudo que é estrangeiro. Na véspera da Copa da Suécia, o cronista lançou sua mais célebre análise da estrutura antropológica nacional: o brasileiro sofre de complexo de vira-latas.

Era a ideia de que tudo que é nosso é menor, que o europeu é naturalmente superior, que nossa ginga é “improvisação” e a deles é “disciplina tática”.

Foto: Vitor Silva/BotafogoBotafogo

Pois bem, fomos lá e ganhamos aquela Copa e mais quatro depois dela.

Porque, no fundo, quando o brasileiro acredita em si mesmo, ele dança balé com a bola e assina obras-primas com chuteiras.

Mas, como dizia João Saldanha, sempre com sua língua afiada, houve um tempo em que nossa Seleção era “sem vícios: não fumava, não bebia… e não jogava bola”. Hoje, ao contrário, voltamos à era do futebol arte, que também é o futebol da balada, das polêmicas, do Instagram lotado e da resenha interminável. E isso incomoda os moralistas de plantão, como se para jogar bola fosse preciso ser um monge tibetano. 

Esquecem que nossos maiores gênios sempre flertaram com o caos, era Garrincha e suas pernas tortas, Romário e sua filosofia do “treinar pra quê?” e da porrada em campo, foi Ronaldinho e seu eterno carnaval dentro e fora do vestiário.

Futebol não é exército. Futebol é arte. E o artista, meu amigo, não se forma em quartel e depende da aprovação da massa, o aplauso e a confiança na competência.

O que está acontecendo agora é sintomático, pois os clubes brasileiros, desacreditados pelos próprios torcedores, estão passando o rodo em times europeus no Mundial de Clubes.

E ainda tem gente que se surpreende. Ora, surpresa por quê? O que falta ao nosso futebol não é talento, é autoestima. É parar de bater continência para o europeu como se ele fosse o inventor do futebol — mesmo que sejam, somos melhores.

A “gente” já foi rei, imperador e papa da bola. E estamos voltando a ser.

Mas há um fator que precisa ser dito e a estrutura importa. Nosso futebol sofre, sim, com má gestão, gramado ruim, calendário desumano e clubes sucateados por dirigentes amadores e corruptos. O talento sobrevive apesar disso.

Quando se tira o brasileiro da lama e se oferece a ele o palco que merece, ele brilha. E brilha como ninguém. O Mundial está provando isso.

O primeiro passo para voltarmos a ser gigantes é acreditar de novo. Não só nos nossos craques, mas no que somos enquanto futebol. O Brasil voltou a jogar bola. Não com a frieza dos robôs europeus, mas com a sensualidade do drible, a malandragem da bola no pé e a alma de quem joga descalço na rua e sonha com o Maracanã.

Não somos melhores apesar do nosso caos. Somos melhores por causa dele. Porque é no improviso que nasce a genialidade.

Este é o primeiro jogo do resto de nossas vidas.

Fonte: Portal AZ

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