ALEPI muda legislação ambiental no litoral e favorece acusados de grilagem
MPF investiga mudança na legislação que fragiliza a preservação da APA das Itans
O litoral do Piauí está no centro de um conflito entre preservação ambiental e interesses econômicos. O Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação para apurar a legalidade do Projeto de Lei Ordinária (PLO) 113/2024, que rebaixou a proteção ambiental do Monumento Natural das Itans, em Cajueiro da Praia, transformando-o em Área de Proteção Ambiental (APA). Com a mudança, os 57 hectares de ecossistemas sensíveis passaram a ter regras mais flexíveis, possibilitando a exploração econômica por empresários com estreitas relações politicas e, sem a necessidade de rigorosos licenciamentos ambientais.

A medida foi promulgada em 31 de janeiro, sem que fossem apresentados estudos técnicos ou atas de audiências públicas, documentos essenciais para a modificação de uma unidade de conservação, conforme determina o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A omissão desses requisitos fundamentais é um dos principais focos da investigação do MPF, que já solicitou esclarecimentos à Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), ao governo estadual e à Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH).
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As informações são do site ambientalista americano Mongabay em matéria assinada pelas jornalistas Adriana Amâncio e Mariana Rosetti.
O governador Rafael Fonteles (PT), que poderia ter vetado o projeto, não se manifestou, permitindo que a Assembleia Legislativa promulgasse a lei por sanção tácita.A ausência de um posicionamento do chefe do Executivo estadual reforça as dúvidas sobre os interesses políticos e econômicos por trás da mudança.
Peixes-Bois e tartarugas em risco
O Monumento Natural das Itans, agora extinto, foi criado em 2022 com o objetivo de preservar um dos ecossistemas mais raros do litoral piauiense. A região abriga manguezais, restingas e sambaquis, além de ser um berçário natural do peixe-boi-marinho, espécie ameaçada de extinção. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em 2016, pelo menos 60 peixes-bois viviam na área, que serve como local de alimentação e reprodução da espécie.

O ICMBio teme que a reclassificação do território aumente a circulação de embarcações motorizadas, responsáveis por acidentes fatais, separação de filhotes de suas mães e diminuição da oferta de alimentos. Outro impacto preocupante recai sobre as tartarugas-marinhas, que dependem da região para alimentação.
Para Werlanne Magalhães, do Instituto Tartarugas do Delta, a degradação ambiental pode comprometer a oferta de alimentos e, consequentemente, a sobrevivência da espécie no litoral piauiense.
Grilagem e turismo de luxo
A região de Cajueiro da Praia abriga comunidades tradicionais de pescadores, que dependem da natureza para sua subsistência. No entanto, conflitos fundiários têm se intensificado desde 2020, quando empresários passaram a reivindicar terrenos, destruindo estruturas pesqueiras e até incendiando canoas para expulsar os moradores locais.
O MPF investiga a possível relação entre a mudança na legislação e a pressão de grupos econômicos interessados na exploração da área para o turismo de luxo na região.
O pescador Jacinto Souza, que teve sua canoa incendiada em 2022, relata que, com a chegada dos empreendimentos, a pesca se tornou inviável, forçando os trabalhadores a se deslocarem para águas mais distantes, aumentando os custos e reduzindo a rentabilidade da atividade.
A mudança na classificação ambiental favorece a expansão do setor imobiliário e hoteleiro, que, sob a nova regra, não precisará mais de licenciamento rigoroso para operar, reduzindo as restrições à construção de resorts e outras infraestruturas turísticas.
Empresário acusado pelo MPF
Um dos principais beneficiários da mudança é o empresário Fábio Ribeiro de Souza, conhecido como Fábio Jupi, dono do Socó Beach Resort, empreendimento localizado dentro da Ponta do Socó, uma das áreas mais impactadas pelo desmatamento recente. Jupi é réu em uma Ação Civil Pública movida pelo MPF e pelo Ministério Público do Piauí (MPPI), acusado de invasão de terras públicas, degradação ambiental e construções irregulares.

Fábio é amigo de Henrique Pires (MDB), deputado estadual responsável pela mudança na legislação aprovada na ALEPI.
Ainda sobre Fábio, a Justiça determinou a desocupação da área e a suspensão imediata das obras, mas Jupi ignorou a decisão, ampliando seu empreendimento e promovendo desmatamento ilegal. Laudos da Polícia Federal, ICMBio e SEMARH confirmaram que ele seguiu construindo piscinas, prédios de três andares e áreas de lazer privadas sem qualquer autorização ambiental.

As multas acumuladas já somam R$ 2 milhões, e a Justiça determinou o embargo total da área. Caso continue desrespeitando as ordens judiciais, Jupi pode sofrer novas penalidades criminais e administrativas.
As investigações no MPF
Diante das irregularidades, o MPF instaurou um inquérito para apurar a legalidade da recategorização da APA das Itans. O órgão solicitou documentos à Assembleia Legislativa, ao governo do estado e à SEMARH, mas ainda aguarda respostas.
O resultado da investigação poderá levar a uma Ação Civil Pública para anular a mudança na legislação e responsabilizar os envolvidos por eventuais crimes ambientais.
A investigação busca esclarecer por que a recategorização foi aprovada sem audiências públicas nem estudos técnicos e quem são os beneficiados com a redução da proteção ambiental.
O MPF apura ainda se existe relação entre a mudança na lei e os interesses de empresários do turismo na região e se houve omissão do Governo do Estado na análise do impacto ambiental no litoral e nas áreas de proteção ambiental.
Caso fique comprovado que a mudança teve motivação econômica e violou a legislação ambiental, o MPF poderá solicitar o restabelecimento do Monumento Natural das Itans e a responsabilização de gestores e empresários envolvidos no processo.
Mas até que isso ocorra o futuro da APA das Itans segue incerto, ameaçado pelo avanço descontrolado do turismo e pela omissão do poder público.
Fonte: Portal AZ