Contag redigiu 96 emendas para esvaziar MP antifraude do INSS

Entidade ligada ao PT usou parlamentares para barrar revalidação de descontos a aposentados

Por José Ribas,

No que deveria ser uma iniciativa legislativa para endurecer o combate às fraudes na Previdência Social, revelou-se um caso exemplar de como o lobby pode transformar o Congresso Nacional em um balcão para atender interesses de entidades suspeitas. Uma análise meticulosa dos bastidores da Medida Provisória 871/2019, voltada a coibir irregularidades nos descontos realizados diretamente sobre os benefícios do INSS, revela que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), investigada pela Polícia Federal, foi a verdadeira autora de 96 emendas parlamentares à proposta, assinadas por 15 deputados e senadores, a maioria do PT.

Essas emendas tinham um único objetivo: esvaziar o cerne da proposta original do governo Bolsonaro, que previa a revalidação anual das autorizações para descontos associativos nos contracheques dos beneficiários.

Na prática, a medida buscava estancar uma sangria silenciosa nos contracheques de milhões de aposentados e pensionistas, mas encontrou resistência no próprio Parlamento, instigada por uma entidade que, segundo apuração da PF, pode ter se beneficiado de descontos indevidos em massa e de acordos irregulares com o INSS.

A engenharia do lobby

Segundo documentos obtidos pelo jornalista Tácio Lorran do site Metrópoles, uma análise técnica dos metadados dos arquivos de texto das emendas revelou que as propostas não foram redigidas pelos parlamentares, mas sim por técnicos e advogados da própria Contag.

Essas informações digitais funcionam como impressões digitais, onde indicam a origem, horário de criação e o autor dos documentos. Em 96 dos 578 textos apresentados durante a tramitação da MP, o nome da Contag aparece como “autor original”.

Essas emendas, embora formalmente assinadas por parlamentares, foram replicadas em blocos, com textos idênticos ou ligeiramente modificados, sugerindo uma atuação coordenada.

Uma das alterações centrais propunha passar de um para cinco anos o prazo de revalidação de filiados a sindicatos rurais, contra o padrão anual proposto pela MP 871/2019.

O argumento usado pela Confederação? A “inviabilidade operacional” de renovar as autorizações todos os anos, como se esse esforço fosse mais custoso do que as fraudes que a medida buscava impedir.

“Revalidar cada autorização anualmente torna o desconto da mensalidade social praticamente inviável”, argumentava um dos textos.

A manobra funcionou

Com a mobilização da bancada do PT e apoio de outros parlamentares, a Contag conseguiu, ainda em 2019, fazer o Congresso alterar a redação original da MP, estabelecendo um prazo de três anos para a revalidação dos descontos. Mas nem isso foi implementado, pois em 2022, outra medida provisória extinguiu por completo qualquer exigência de revalidação, abrindo espaço para o retorno de descontos vitalícios – sem renovação, sem checagem, e com margem total para abusos.

Quem assinou?

Entre os 15 parlamentares que assinaram emendas redigidas pela Contag, estão nomes de peso da esquerda, como:

    •    Humberto Costa (PT-CE) – então líder da bancada do partido no Senado;
    •    Jean Paul Prates (PT-RN) – hoje presidente da Petrobras;
    •    Zé Neto (PT-BA) – autor de 11 emendas;
    •    Jandira Feghali (PSOL-RJ);
    •    Jaques Wagner (PT-BA);
    •    Rubens Pereira Jr. (PT-MA);
    •    Valmir Assunção (PT-BA);
    •    Patrus Ananias (PT-MG);
    •    Paulo Rocha (PT-PA);
    •    Daniel Almeida (PCdoB-BA);
    •    Otto Alencar Filho (PSD-BA);
    •    Celso Maldaner (MDB-SC);
    •    Tereza Nelma (PSD-AL, atual integrante do governo Lula).

Mas o que chama atenção é a presença do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), do partido de Jair Bolsonaro.

Ele assinou duas emendas com metadados da Contag, mas não soube explicar a origem dos documentos e negou qualquer relação com a entidade.

E a PF?

A Polícia Federal estima que os valores indevidamente movimentados no sistema de descontos associativos do INSS podem ter ultrapassado os R$ 6,3 bilhões. A Contag, sozinha, movimentou R$ 2 bilhões apenas entre 2019 e 2024, sendo boa parte disso fruto de acordos de cooperação técnica com o INSS, assinados pelo próprio presidente da entidade, segundo relatório da PF.

Em um dos episódios mais graves, a Contag solicitou o desbloqueio de 34.487 benefícios de uma só vez, para permitir a retomada dos descontos, prática considerada irregular pela auditoria interna do INSS. Em outra frente, a entidade repassou R$ 5,2 milhões à empresa Orleans Viagens e Turismo, que movimentou valores incompatíveis com seu faturamento declarado e adquiriu veículos de luxo como Porsche 911, Dodge Ram Rampage e Volvo XC60. Tudo isso sob suspeita de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.

A resposta oficial é o “apoio às causas justas”

Procurada, a Contag afirmou que colabora com o Legislativo há 60 anos, e que a MP 871/2019, segundo a entidade, tinha o objetivo de “restringir direitos de aposentados”, especialmente os do campo. A entidade defendeu sua atuação como legítima e reiterou que repudia qualquer associação a práticas fraudulentas.

Já os parlamentares que responderam à reportagem do Metrópoles argumentando que usaram uma linha comum de defesa: “atuamos em nome da bancada”; “as emendas foram coletivas”; “buscamos proteger sindicatos honestos”; ou “não sabíamos da origem técnica dos textos”.

A engrenagem do esquema

O caso expõe, de forma didática, o funcionamento de um sistema onde o lobby organizado se sobrepõe à função fiscalizadora do Estado. Entidades com acesso político, histórico de repasses vultosos e suspeitas robustas de corrupção encontram nos gabinetes do Congresso instrumentos para moldar a lei ao seu favor. Basta um arquivo Word, uma assinatura e um compromisso ideológico.

Enquanto isso, aposentados seguem expostos a descontos compulsórios, muitas vezes sem autorização clara, sem revalidação, sem controle – e, como o tempo demonstrou, sem solução.

Fonte: Portal AZ

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