Compartilhando amor: mulheres contam sobre a experiência de ser mãe por meio da adoção

Um sonho que também transforma as vidas de muitas crianças. Confira!

Por Jade Araujo,

Cuidar, amar incondicionalmente e sentir o vínculo de uma vida inteira. Seja por laços de sangue ou de coração, a maternidade poder oferecer às mulheres uma memória infinita. 

Aos  39 anos, a psicóloga e doutoranda na área de Saúde e Desenvolvimento em regime de co-tutela, Lucienia Pinheiro, parece guardar em detalhes o primeiro encontro com cada um dos seus quatro filhos por meio da adoção. “4 de dezembro de 2009”.  A data que ela destaca, com muita empolgação, marca o dia em que Lucienia se tornou mãe. 


(Foto: arquivo pessoal )

Desde quando começou a namorar, a psicóloga sabia que queria ser mãe e que isso aconteceria por meio da adoção. Foi então que indo até um abrigo, localizado na zona Norte de Teresina, Lucienia teve o seu “encontro de almas”, como ela mesma diz, com a filha e o filho. 

- Depois que terminei a faculdade de psicologia, eu constitui um advogado para verificar o meu  processo porque nas minhas tentativas de adoção, o meu perfil era fora do padrão da maioria. Com a advogada, o processo aconteceu mais rápido, o telefone tocou e eu fui conhecer a minha primeira filha. Quando cheguei lá no abrigo eu descobri que ela tinha um irmão e eu e meu marido decidimos adotar os dois irmãos. A minha primeira filha foi um encontro de alma mesmo. Quando cheguei lá ela estava brincando em uma casa na árvore. Quando bati o olho nela foi assim, comecei a chorar. Ela me viu e já desceu, foi logo falando comigo, falando pelos cotovelos igual a mim. E eu já senti esse desejo de cuidar e amar. Foi um encontro de amor, de alma. 


Lucienia com os três primeiros filhos em 2015 (Foto: arquivo pessoal)

Com a memória de mãe, Lucienia ainda lembra o momento em que encontrou as outras duas filhas. Ela estava concluindo o mestrado, e decidiu fazer seu doutorado em Portugal e com isso, moraria fora do Brasil com a familia. Mas um mudança fez com que ela adotasse as duas crianças. 

- Passado um tempo eu terminei o mestrado e fui fazer o doutorado em Portugal. Levei a Camila e o Vinicius e meu marido ia morar comigo durante quatro anos. Um dia, a pedido de uma amiga, ele foi deixar o presente para essa criança e se apaixonou por ela. Então ele decidiu que não iria mais para Portugal, meus outros dois filhos voltaram para o Brasil e eu acabei terminando o doutorado, indo e voltando várias vezes. A terceira adoção veio no final do doutorado, em 2017. Eu já estava muito estressada com o processo muito pesado e decidimos passar o Natal com um bebê, pois somos padrinhos do coração. Quando chegamos lá no abrigo estava tendo uma festa de Natal e batemos o olho em outra criança e decidimos trazer ela. Ela ficou com a gente no Natal, Ano Novo e seguiu até fevereiro. Em março nós decidimos ficar com ela por meio da adoção. 


 Camila, Vinicius e Lucienia (Foto: arquivo pessoal)

Hoje, depois de todo processo que viveu, Lucienia pensa sobre o fato de ser mãe por adoção. Para ela, a 'maternização' veio através do desejo de ser mãe e, com o tempo, esse desejo se transformou em autruismo por crianças carentes de amor. 

- Na minha primeira adoção eu queria ser mãe. Queria ir para reunião de pais, queria mandar escovar os dentes, queria ensinar caligrafia. Os dois primeiros foram isso.  A segunda foi além de mim, partiu do meu marido. É dificil para um homem tomar esse decisão e partiu dele. Ele me falou que quando a viu tudo isso fez sentido, o poder de mudar uma vida. Na terceira foi essa questão autruista mesmo. Eu já me sentia mãe, já me sentia plena. 

Ana Beatriz (9 anos), Camila (15 anos), Vinicius (16 anos)  e Taynara (14 anos) são os quatro filhos de Lucienia. Com sua experiência e formação profisional, ela hoje tem canais na internet, Facebook e Instagram (@adoçãonapratica), onde debate e informa sobre a adoção. 


Aniversário de 15 anos de Camila, primeira filha por meio da adoção (Foto: arquivo pessoal )

O Dia das Mães de Lucienia é sempre com a familia reunida, uma data de festa e amor. 

Quem também conseguiu transformar a maternização por meio da adoção em algo maior foi Francimélia Nogueira. Hoje, coordenadora e fundadora do Centro de Reintegração Familiar e Incentivo à Adoção (CRIA), Francimélia já sabia o que era ser mãe antes de adotar, pois já tinha três filhos. 

Para ela, esse processo de ser mãe de mais outra criança veio de forma inesperada, mas que mudou sua vida. Com o coração de mãe ansioso, Francimélia ainda teve que viver a espera de seis meses até poder registrar Ana Karla como sua filha. 

Francimélia e Ana Karla (Foto: arquivo pessoal )

- A gente levava as crianças para passar o Natal com a gente. Naquele Natal de 2003 foi aquela meninazinha. Muito arisca exalando necessidade de cuidado, de afeto, ela tinha so um ano e dez meses, e quando a gente começou a cuidar dela foi para passar o Natal e Ano Novo. Apesar de não ter sido planejado, quando começamos a conviver aquele feriado com ela foi impossivel devolver para o abrigo. Claro que eu tive que devolver, mas foi um sofrimento grande. Por que eu já fui chorando, os meus filhos também. Eu já pensava “tenho que devolver a minha filha para o abrigo? Que historia é essa?”. Eu já tinha um sentimento de filha com ela. Foi o desejo de cuidar dela, de protege-la, pois vi que ela estava precisando demais. Eu sentia que queria cuidar e amar aquela criança. Depois que deu certo, pronto. Fizemos tudo que poderiamos fazer por ela e pudemos alimentar o sonho da Ana Karla de ser cantora. 


Ana Karla (Foto: arquivo pessoal)

A adoção de Ana Karla foi fio condutor para que Francimélia fundasse o CRIA. Ao perceber os danos que a convivência de crianças em abrigos pode causar a uma pessoa, ela decidiu que além do amor destinado à filha precisava conduzi-lo à outras crianças.

- A partir dai veio essa motivação para fundar o Cria. Você passa a perceber os danos que o abrigo causa a uma criança e isso lhe motiva para querer tirar os outros de lá. As pessoas que nos procuram são pessoas que já criaram seus filhos e querem recriar, ou querem ajudar uma criança a ter um pai, ter uma mãe. Mas a maioria são aquelas que não podem ser mães, não tem filhos, e nos procuram para realizar esse desejo de exercer a maternidade. 


Francimélia com seus quatro filhos (Foto: arquivo pessoal)

Hoje com duas filhas e um filho, Francimélia consegue pensar em cada sentimento maternal.  Ela destacou ainda em como o ato de querer ser mãe de mais uma filha e o desejo de ajudar refletem na construção do amor entre as mães e filhos. 

- Filho, seja do coração, seja da barriga, ele tem que ser adotado emocionalmente para que ele seja seu filho. Você cuidar, você amar. Foi muito bom ter reiniciado, voltado a ter uma criança dentro de casa. E foi muito bom saber que eu pude contribuir para mudar o destino dela. Amar sempre faz bem. 

Maternidade, maternalidade e caminhos ruins

Além de partilhar sua história, Fracimelia Pinheiro explicou os lados negativos e positivos, pontuando a existência da maternidade, maternalidade e os propósitos errados, pelos quais as pessoas decidem adotar. Por meio da adoção, pessoas buscam caminhos para preencher papeis que fogem a maternidade e a maternalidade. 

- Existe a motivação errada para a adoção e existe a motivação correta. As motivações erradas, e isso acontece ainda de vez em quando, é uma pessoa que chega para dizer “onde eu pego uma criança para me ajudar em casa?”, “onde pego uma criança para me fazer companhia?”, “queria uma criança para me ajudar em casa, mas eu vou tratar como se fosse filha”. Existe esse discurso errado e muito preconceituoso. 

Assim, a maternidade se caracteriza pelo processo de gestação de um (a) filha (o). A ligação afetiva e íntima entre mãe e filha (o) é o que legitima a maternagem. Cuidar, amar, ensinar são os caminhos dentro da maternagem desenvolvidas por mães e isso vai além do vínculo de sangue podendo assim acontecer com mães por meio da adoção.  

Por isso, Lucienia Pinheiro explica que tanto a maternidade quanto a maternagem estão dos lados positivos desse processo. Mas ambos se diferenciam em caracterizações. 

- Existe o lado positivo. No caso o quero ser mãe, ou porque sou esteril ou tive problemas com fertilidade. Mas existe o querer ser mãe porque quero cuidar de alguém e passar por todo esse processo de ser mãe. Ai entra a diferença entre maternagem e maternidade. Maternidade é o processo de você gerar o filho. A maternagem é cuidar, proteger, aquele amor incondicional. 

Abrigos no Piauí 

Segundos dados do CRIA, existem hoje no Piauí nove abrigos, sendo sete em Teresina, um em Piripiri e Parnaíba. Neles, cerca de 300 crianças e adolescentes vivem na espera por uma família. 

Em Teresina três desses abrigos são mantidos pelo Estado, dois pelo município e outros dois por organizações da sociedade civil. No interior, os dois abrigos são mantidos pelo poder municipal. 

Os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam que atualmente há 45.923 pretendentes cadastrados e 9.566 crianças e adolescentes disponíveis. 

Desde 2008, o CNA ajudou a formar mais de 12 famílias por meio da adoção (Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ)

Segundo informou Francimélia Nogueira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece o prazo de um ano e meio para que o processo de adoção seja concluído, mas em muitos casos, esse tempo chega a ser ultrapassado. 

- O ECA estabelece o tempo de um ano e meio máximo para que o processo seja concluído. Infelizmente o tempo que as crianças ficam nas instituições é maior. A gente entende que a vara da infância, a rede de proteção tem que ser melhor estruturada para que a própria legislação tem que ser cumprida. No sentido de que, se é para ser um ano e meio, em até um ano e meio o processo tem que ser concluído. 

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