Centro: causas e soluções para o crime 'geolocalizado'
O centro precisa se reinventar com novas políticas públicas e intervenções urbanas ou morrerá
O problema da violência da região central de Teresina é simples de resolver, mas o poder público é incompetente demais para fazer.

Habitada por 102 mil habitantes e região nevrálgica do comércio, o Centro tem muito mais que moradores; em geral, os trabalhadores da região e os transeuntes fazem do centro, durante o dia, a área mais movimentada da capital. Mas o mesmo não acontece à noite, quando o crime reina. Tomada pela violência crescente, a região tem o maior índice de violência da capital, com 35% dos furtos.
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Causas e seus efeitos
O Centro tem uma população real de 102.336 moradores, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, o que equivale a 11,81% da população da capital. Apesar dos números altos, dados recentes mostram que a região teve decréscimo de moradores. Em termos de moradores fixos, a realidade é que dos 118.923 habitantes em 2010, restaram apenas 95.857 em 2022, uma queda de 19,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A causa principal, apontada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Piauí (CRECI-PI), é o decréscimo econômico, que leva empresas à bancarrota e ao esvaziamento de espaços públicos, como praças e locais de convivência comunitária.
Com a queda na população, no comércio e o esvaziamento residencial, locais antes habitados e movimentados tornam-se redutos do abandono e locais propícios para moradia de indivíduos à margem da lei.
Segundo pesquisa publicada no ‘American Journal of Public Health’ pelos pesquisadores Charles Branas e John MacDonald, um epidemiologista e um criminologista, prédios abandonados são redutos para criminosos e para práticas delitivas, o que causa aumento da violência e abandono dos moradores pelo medo, gerando mais abandono e crimes, numa crise que se retroalimenta cada vez mais. Lance Hannon, professor de Sociologia da Universidade Villanova na Pensilvânia, correlacionou, em estudo, queda habitacional e aumento do crime: quanto mais casas vazias, mais homicídios, por exemplo, numa região.

Outro fato intrinsecamente ligado ao esvaziamento habitacional do Centro tem natureza psicológica no ato criminoso: locais abandonados, geralmente situados em regiões tomadas pelo lixo e pichação, além da baixa ou nenhuma iluminação, tornam o ato criminoso fácil e atraem criminosos. É a teoria da ‘Janela Quebrada’.
Um estudo publicado em 2008 na revista Science por um grupo de cientistas da Universidade de Groningen, encabeçado pelo cientista criminal Kees Keizer, provou que locais pichados e depredados têm relação direta em fomentar novas práticas criminais, como despejo de lixo na rua e aumento de furtos, levando, a médio prazo, a práticas criminais mais violentas, como assassinato.
A má iluminação pública também é um prato cheio para práticas criminais. Aaron Chalfin e Benjamin Hansen, em estudo do National Bureau of Economic Research, apontaram o favorecimento de práticas criminais e aumento de violência em locais menos iluminados.
Fatores como prostituição, uso de drogas e até mesmo flanelinhas também têm relação direta com aumento do crime se houver permissividade em suas práticas delitivas.
Os que lucram com o caos
O Centro está em vias de morrer. A sentença é forte, mas a criminalidade aumenta os custos de produção e desincentiva investimentos. O governo parece ignorar, ou talvez saiba e não faça nada a respeito, que o aumento do crime na região resulta no que o economista Thomas Sowell chama de redlining, quando empresas se recusam a fazer negócios ou a se estabelecerem em determinada área. A tendência é que, com o aumento da violência, aumentem também os custos de segurança para o empresariado, assim como os custos com seguros, o que, por sua vez, reduz o número de pessoas circulando na região por medo da violência. Isso causa um aumento dos custos e uma queda no faturamento.
O problema é que, com isso, as empresas migram para outras regiões, criando nichos de faturamento. Porém, o faturamento não se distribui entre vários negócios; ao invés de comprar em três ou quatro lojas no Centro, compra-se apenas na única loja do bairro.
Assim, as lojas que permanecerem terão que repassar os custos da queda no faturamento e os gastos com segurança para o preço dos produtos, elevando ainda mais os preços na região.
A questão é que o redlining é uma discriminação de natureza econômica, segundo Sowell, mas possui uma natureza política em seu uso. Trata-se de uma disparidade onde um grupo político se beneficia.
Além disso, a violência gera dependência do poder público, perpetuando a disparidade. Um grupo de burocratas eleitos se favorece com o cenário caótico, utilizando isso como moeda de troca eleitoral.
É a máxima: o governo quebra suas pernas e te oferece as muletas.
Soluções não tão simples, mas eficazes
Dados disponíveis na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) apontam que das 88.114 empresas em atividade em Teresina, 8.672 estão no Centro, i.e., 9,84% de todas as empresas e negócios na capital. Deste total, 72% são microempresas e 19% grandes negócios. Puxada principalmente pelo setor varejista e comercial, atualmente 12% dos tipos de empresas da região, e com 3% de empresas do ramo médico, pode-se assumir que o centro é o principal motor econômico da capital e dos tributos públicos na esfera municipal e estadual. Apesar disso, empresas têm deixado a região, causando fuga de capital e deixando prédios vazios e abandonados.
Um ponto atrativo para aumento geral de empresas é a maior possibilidade de fluxo de pessoas (consumidores), o que pode ser feito com maior possibilidade de transporte urbano, seja por ônibus (município) ou melhores sistemas para transporte por trem de superfície (estado). Fatores como expansão e melhoria da malha viária aumentam significativamente também o número de consumidores que chegam à região com veículos próprios.
Fatores como diminuição da carga tributária também são uma solução viável, o que pode ser feito via queda do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do município e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado, diminuindo o preço do metro quadrado na região para compra e aluguel, bem como aumentando a margem de lucro do empresariado, o que, por sua vez, tem relação direta com aumento dos postos de trabalho e dos faturamentos, o que aumentará, a médio prazo, a arrecadação dos órgãos públicos, como prova a curva de Laffer.

A região, segundo consta, teve nos últimos meses o fechamento de 300 empresas, algo que deixou no bolsão do desemprego aproximadamente 1500 pessoas. O fluxo de pessoas e o aumento de prédios comerciais em uso diminuem diretamente o abandono da região e, por conseguinte, o crime.
Outra prática resultante da queda dos preços dos imóveis, pela diminuição do IPTU e oferta de trabalho, é a habitação residencial. A criação de postos de trabalho é atrativa para que empregados tendam a morar na região, o que diminui o esvaziamento habitacional e reduz o número de imóveis abandonados. A longo prazo, diminuindo gastos com segurança pública para casas e prédios abandonados, seja residencial ou comercial.
Fatores como a iluminação pública da região e cuidado na coleta de lixo, bem como corte de árvores e gramados, também tendem a diminuir o crime. A iluminação de uma região influencia diretamente na queda do crime, sendo em média 36% menos práticas criminais em locais bem iluminados à noite. Da mesma forma, matagais tendem a ser locais para esconderijo e para ocultar roubos.
A obrigatoriedade, por meio legal, de que donos de casas e prédios vazios zelem por suas propriedades também diminui custos de manutenção e limpeza da cidade, bem como gastos com policiamento ostensivo, com a queda criminal na região.
Criando, ambos os aspectos, uma região com múltiplos usos, dando fluxo de pessoas em todos os horários, diferente do cenário atual de vazio noturno. Não menos importante, a tolerância zero para pequenos crimes diminui as práticas criminais e a influência psicológica da impunidade.
O poder público, seja com o regime de leis nas esferas legislativa (vereadores e deputados), pode ensejar o aumento da punibilidade e multa em delitos como pichação, depredação de espaços públicos e privados, bem como descarte ilegal de lixo, aumentando a qualidade de vida urbana e diminuindo a deterioração desses espaços. Este fato tem relação com o impedimento de aumento de delitos como roubos, segundo pesquisa de George Kelling e James Wilson, provada empiricamente por Philip Zimbardo, psicólogo e professor emérito da Universidade de Stanford, em 1969.

O vandalismo causa mais vandalismo e, a médio prazo, crimes violentos. Fatores como impedimento de uso de drogas, como crack, e a prática da prostituição também têm relação direta na queda de crimes sustentados por essa prática, como o tráfico, prática diretamente relacionada à violência na região, e o roubo ou assalto para uso de entorpecente.
A violência é multifatorial, as soluções são várias, mas, para resolver, é preciso ir além da propaganda.
Fonte: Portal AZ