EDITORIAL — liberdade de imprensa ou morte

Brasil vive tempos obscuros do exercício da profissão jornalística

Por Portal AZ,

Hoje seria dia de celebrar a liberdade de imprensa, mas não há motivo algum para comemoração.

Foto: ReproduçãoWladimir herzog, vítima do tipo de regime que se vislumbra, de novo, para o país
Wladimir Herzog — jornalista —, vítima do tipo de regime que se vislumbra, de novo, para o país

É nos tempos em que mais se precisa da verdade que a mentira se arma com toga, e o silêncio se disfarça de ordem. A liberdade de imprensa, essa cláusula pétrea da democracia, tem sido não apenas desafiada, mas lenta e metodicamente asfixiada. Não por decreto explícito, como nos anos de chumbo. Mas por um processo bem mais sutil e insidioso: a judicialização da censura, a intimidação travestida de litígio, a perseguição legitimada por falsos escudos morais.

A imprensa livre tornou-se o novo inimigo a ser abatido e o direito de informar, uma infração a ser punida.

Vivemos uma era em que apurar fatos passou a ser confundido com caluniar autoridades; em que publicar documentos públicos virou “violação de privacidade”; em que noticiar investigações oficiais transformou-se, paradoxalmente, em “atentado à honra”.

Os algozes da informação já não queimam jornais em praça pública — processam jornalistas em série, mobilizam estruturas sindicais como instrumentos de coerção, e operam sob o manto cínico de um discurso “democrático” que só serve para garantir o monopólio narrativo dos poderosos.

A liberdade de imprensa nunca foi um adorno institucional. É, antes de tudo, um direito da sociedade, o direito de saber. Saber quem desvia verbas. Quem loteia o Estado entre apadrinhados. Quem faz “cabo-racha” de emendas entre construtoras de uma só familia;  Quem lucra com a miséria. Quem mente nos palanques e se esconde nos gabinetes. Saber quem são os verdadeiros operadores do atraso.

E é justamente por esse poder que o jornalismo desperta tanto medo entre aqueles que confundem a função pública com foro íntimo.

Por isso, é preciso dizer sem rodeios: todo ataque à liberdade de imprensa é, em última instância, um ataque ao povo. E não apenas ao povo enquanto massa abstrata, mas ao cidadão concreto, o aposentado que tem seu benefício roubado por sindicatos, o contribuinte que paga por obras fantasmas, o eleitor traído por promessas que nunca se pretendiam cumprir. Calar a imprensa é impedir que esses cidadãos tenham voz, ouçam o que se tenta esconder, formem juízos com base em fatos e não em fantasias cuidadosamente editadas por marqueteiros.

Quando um jornalista é notificado por publicar uma denúncia fundamentada em relatórios oficiais, quando um veículo independente é processado por expor uma irregularidade amplamente documentada, o que se ataca não é apenas o repórter. Ataca-se a própria noção de verdade pública. Substitui-se o debate pelo medo, o contraditório pela autocensura, a investigação pelo silêncio obsequioso. O medo se instala nas redações, e com ele, o veneno do conformismo.

E o mais preocupante: essa ofensiva contra a imprensa não parte apenas de governos ou grandes corporações. Ela se espalha, de forma quase viral, por instituições que deveriam proteger a transparência, mas que hoje operam como muros de contenção contra qualquer forma de escrutínio. Sindicatos, entidades civis, magistrados, todos, em alguma medida, parecem ter descoberto no Direito uma nova forma de interditar o dissenso e blindar os bastidores.

É um processo de corrosão institucional que se realiza sem alarde, mas de forma devastadora. Porque, ao contrário do que se pensa, a censura moderna não se impõe pelo grito, mas pelo cansaço.

Não se decreta, se normaliza.

E quando menos se espera, o jornalismo crítico já virou exceção, o debate virou risco, e a verdade, um bem escasso demais para circular em páginas impressas ou digitais.

A função da imprensa nunca foi a de bajular o poder, mas desnudá-lo. Nunca foi a de consolar os governantes, mas inquietá-los. O jornalismo digno desse nome é, por essência, incômodo. E exatamente por isso é essencial.

O repórter que investiga contratos escusos, que questiona a origem de fortunas repentinas, que persegue a trilha do dinheiro público, não age por capricho — mas por convicção democrática. Ele não busca escândalos: encontra-os porque estão lá, protegidos por uma muralha de silêncio que só a imprensa, ainda que ferida, ainda que combalida, ainda que solitária, ousa romper.

É por isso que defender a liberdade de imprensa é mais do que uma causa, é uma urgência. E não apenas dos jornalistas, mas de todos os que se recusam a ser tratados como gado conduzido por narrativas oficiais ao açougue das democracias relativas.

O preço da liberdade é, como se diz, a eterna vigilância. E essa vigilância começa onde termina a conveniência: no desconforto da notícia que revela o que se queria esconder, no desconcerto da manchete que desmonta o mito, na reportagem que desfaz o marketing e expõe a verdade crua.

Quem deseja uma democracia plena deve tolerar uma imprensa livre, sobretudo quando ela é impertinente. Porque não há liberdade possível onde a informação é vigiada, onde a denúncia é criminalizada, onde a crítica é judicializada. E onde reina o silêncio, floresce o arbítrio.

No fim das contas, calar a imprensa não é proteger reputações. É proteger crimes. E não há maior traição à República do que essa.

Fonte: Portal AZ

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