O cheque em branco de Marcelo Castro
Senador destinou milhões para coordenadoria sem dizer ao certo para quê

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) destinou R$ 4,7 milhões em emenda parlamentar para uma coordenadoria do Piauí bancar, entre outras coisas, uma vaquejada. Até aí, nenhuma novidade — afinal, essa é uma prática comum entre senadores e deputados que usam as chamadas “emendas especiais” para enviar dinheiro diretamente aos seus redutos eleitorais.

Mas há algo nisso tudo que salta aos olhos. Entre os valores da emenda nº 202441830007, a maior fatia, R$ 2,9 milhões, está registrada simplesmente como “recurso a ser utilizado posteriormente”. Um cheque em branco.
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Se já causa estranhamento o fato de uma emenda parlamentar federal financiar vaquejadas, uma prática que, embora tradicional, carrega um histórico de denúncias de maus-tratos aos animais, o que dizer de uma despesa pública milionária cuja finalidade declarada é… nenhuma?
Assim mesmo, preto no branco: quase três milhões de reais sem nenhuma destinação definida, sem projeto, sem plano, sem explicação.
No sistema Transferegov, onde essas emendas são registradas, o valor aparece vinculado à CENDFOL (Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas e Fomento ao Lazer) um órgão que, ironicamente, virou especialista em receber verba sem dizer exatamente onde vai gastar.
A vaquejada
O restante da emenda também levanta questionamentos. Estão previstos R$ 200 mil para uma festa do vaqueiro em Bonfim do Piauí, R$ 299 mil para uma vaquejada no Parque Diego Hipólito Soares.
Outro ponto polêmico é o uso de verba federal para bancar vaquejadas, pois apesar de serem eventos tradicionais, mas marcados por denúncias de maus-tratos aos animais. O STF, inclusive, já declarou inconstitucional uma lei do Ceará que tentava legalizar a prática sem garantias de proteção. A emenda de Marcelo Castro financia duas dessas festas, sem qualquer menção a medidas ambientais ou de bem-estar animal.

Os outros R$ 600 mil foram destinados para um curso de Libras.
E aí menos nesses casos, sabe-se o nome dos eventos.
O problema do cheque
Para um observador atento, o problema nem é discutir se a emenda pode ou não bancar uma vaquejada, embora seja legítimo perguntar se alguém fez algum estudo sobre os impactos ambientais e sobre o bem-estar dos animais, que invariavelmente sofrem nesses eventos.
A questão central é outra: como é possível colocar milhões de reais do orçamento público federal numa rubrica vaga chamada “usar depois”?
Segundo o próprio sistema, o recurso foi classificado como “custeio”, ou seja, poderá ser usado em despesas correntes, como pagamento de serviços, aluguel, alimentação, transporte, publicidade e outras rubricas abertas. Só que, sem qualquer meta ou projeto detalhado, abre-se margem para uso arbitrário ou politicamente direcionado desses valores.
A destinação genérica fere princípios elementares da administração pública, especialmente os da finalidade e da transparência, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. A despesa pública precisa ter objeto específico, meta mensurável e previsão clara de uso. Dinheiro público “para depois” é uma aberração contábil.
A CENDFOL
A CENDFOL, beneficiária direta de R$ 3.999.260,00, já foi alvo de outras denúncias envolvendo contratos suspeitos com recursos de emendas parlamentares — alguns, inclusive, apontados pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí por irregularidades. A repetição do modus operandi chama atenção: emenda robusta, sem detalhamento técnico, para uma coordenadoria com histórico de uso político e execução pouco transparente.
Fonte: Portal AZ