Sexualização infantil: uma violência silenciosa e perigosa

A criança é estimulada, desde a primeira infância, através de imagens e mensagens a uma sexualidade adulta

Por Fernanda Gil Lustosa e Wanderson Camelo,

Se tornou comum ver crianças adotarem comportamentos e aspectos da sexualidade adulta. Não é difícil ver corpos infantis seminus, em trajes sexys - em vídeos e imagens que circulam no meio virtual -, garotos e garotas menores de idade se exibindo ao som de músicas que falam do sexo de forma banal. 

Conteúdo do tipo é exposto e dissipado de forma massiva em aplicativos de compartilhamento de mensagens e estão disponíveis em abundância nas mais variadas redes sociais, o que pode servir de ponte para que outras crianças adotem a mesma postura. O estímulo, às vezes, parte da própria família.  

“Muitos mais ainda não tem noção do potencial de alcance das redes sociais e acabam fazendo como se fosse um álbum de família. Há uma exposição muito cedo. Tem pai que faz perfil da criança ainda bebê. É uma exposição desnecessária e que acaba ocasionando outros problemas, como os crimes de pedofilia. A internet, principalmente, é um prato cheio para esse tipo de prática”, alerta o professor e especialista em redes sociais Leandro Hipólito.

Leandro Hipólito (Foto: Wanderson Camêlo/Portal AZ)

Hipólito acrescenta que cuidado com o que se faz na internet deve ser ainda maior devido à capacidade de viralização do conteúdo produzido e do difícil controle sobre o que acontece nesse ambiente, que é, aliás, é onde o público infantil está mais presente. De acordo pesquisa do TIC Kids Online divulgada no mês de setembro do ano passado, o percentual de jovens entre 9 e 17 anos que acessa a rede pelo telefone celular chegou em 44% no Brasil. No levantamento anterior (com dados de 2016) o índice era de 37%. A televisão ganhou importância, subindo de 18% para 25%.


“A internet é um ambiente muito perigoso, mas não adianta haver o controle desse ambiente, isso é impossível. O trabalho muito maior, que necessita de empenho muito maior e de toda a sociedade, é trabalhar em cima da educação de base”, ressalta o professor. 
A grande mídia também tem papel preponderante no processo de influência negativa. A criança é estimulada, desde a primeira infância, através de imagens e mensagens a uma sexualidade adulta. 

O caso mais emblemático no Brasil é o de Gabriela Abreu Severino, conhecida como MC Melody. A menina, que tem 11 anos de idade, é alvo dessa sexualização e adultização desde seus 8 anos, tudo isso com o apoio do pai e empresário, Thiago Abreu. A funkeira mirim conta com mais de três milhões de seguidores em seu perfil no Instagram, onde se exibe em fotos com poses sensuais, muita maquiagem e cabelos tingidos. Para o psicólogo e especialista em educação Carlos Eduardo Leal isso é um problema real para as crianças.

“O primeiro ponto que precisamos discutir é que isso não é só uma questão moral e de valores. O tema é muito complexo, existem vários cenários da adultização e cada um produz demandas muito especificas. Por exemplo, o que esta acontecendo que a gente vê na mídia em relação à erotização da conduta infantil faz parte de um contexto bem mais amplo de inserção da infância nesse mundo adulto. A adultização e a erotização do comportamento infantil vai gerar essas demandas além das capacidades cognitivas e socio emocionais das crianças. Na mídia esse fenômeno se manifesta através dos produtos que são comercializados, todo o universo que se cria em torno dos Youtubers, artistas”, diz.

Gabriela Abreu Severino, conhecida como MC Melody (Foto: reprodução/Instagram)

A superexposição da menina trouxe problemas para Thiago.  Em 2015, depois de denúncias sobre o teor das músicas cantadas por Melody e sua performance nas apresentações, ele se comprometeu, junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), a evitar que a filha expusesse expressões de conotação pornográfica durante os shows e usasse roupas sensuais para não exprimir exibição de caráter sexual. Thiago não cumpriu com o prometido e corre o risco de perder a guarda da filha.


“Os pais são os principais atores nesse processo. Nós não podemos esquecer que a família é um espaço de socialização primaria, é nas relações familiares que as crianças constituem seu mundo psicológico básico. Eles são os principais responsáveis pelas experiências que são produzidas no desenvolvimento sócio emocional dos seus filhos”, explica Carlos Eduardo.

Carlos Eduardo Leal (foto: Arquivo Pessoal)

Sobre a idade certa para introduzir o assunto de sexualidade para as crianças o Eduardo Leal afirma que as teorias clássicas na psicologia descontraíram que criança é um ser assexuado.


“Cada idade tem sua forma peculiar de você tratar a temática da sexualidade.  A partir das explicações você pode orientar seu filho e mostrar para ele que certas partes do corpo são privativas, orientar que não se deve tocar e nem deixar ser tocado. Mas a gente precisa de alguma maneira desconstruir alguns tabus da sexualidade”.

Sexualidade nos anos 90

Nos anos 90 parecia que tudo era permitido: de apresentadoras de programas infantis da TV em trajes sumários a matinês com centenas de meninas rebolando tentando imitar os passos da banda “É o Tchan”. Nos intervalos comerciais as marcas associavam a meninos vencedores que tinham muitas namoradas. Mas qual a parcela de contribuição dada por essa cultura supostamente permissiva para a atual visão de mundo dessa geração? 

Carlos Eduardo Leal fala que tudo vem mudando por causa da reflexão da sociedade no impacto sócio emocional das crianças.


 “Precisamos entender que a infancia não é natural, mas uma construção social, e enquanto tal vem obtendo espaços de legitimidade. É claro que nos anos 90 se observava, por exemplo, programa de domingo, no meio da tarde, com conteúdos eróticos. A sociedade vem refletindo sobre o impacto no desenvolvimento infantil e mudanças têm acontecido. É preciso entender que a erotização, além de violar os direitos, coloca a criança em contato com conteúdos que ela não consegue siginificar”. 


Ainda, de acordo com o especialista em educação o problema é bem maior do que se imagina, pois essa erotização acaba abrindo espaço para uma questão bem mais séria, a pedofilia.


 “Muitas vezes essas práticas de erotização acabam sendo um espaço ou uma via para manifestação de condutas até criminosas. Não podemos esquecer que os dados que representam o abuso sexual na infância são alarmantes no nosso país, então determinadas práticas acabam legitimando posturas, condutas, comportamentos criminosos direcionados a infância”, conclui.

Semana Nacional de Combate à Sexualização de Crianças e Adolescentes

Proposta que cria a Semana Nacional de Combate à Sexualização de Crianças e Adolescentes, de 25 de junho a 1º de julho. A data é em homenagem à menina Tayná Adriane da Silva, que foi estuprada e morta aos 14 anos, no dia 25 de junho de 2013, na cidade de Colombo, estado do Paraná.

Comente

Pequisar