Justiça do Rio concede liminar e proíbe apreensão de livros na Bienal

Na última quinta-feira (05) o prefeito do RJ, Marcelo Crivella, determinou o recolhimento da HQ ''Vingadores: a cruzada das crianças'' por supostamente conter imagens inapropriadas para crianças e adolescentes

Por Correio Braziliense,

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) concedeu, nesta sexta-feira (06), uma liminar à organização da Bienal do Livro, realizada na capital carioca, que impede a prefeitura de "buscar e apreender" obras no local e de cassar a licença de funcionamento do festival.
 
A decisão atende a um mandado de segurança preventivo que foi apresentado pela Bienal depois de a Secretaria de Ordem Pública (Seop) da prefeitura ter enviado, no mesmo dia, fiscais ao evento para identificar e lacrar publicações com conteúdo "impróprio". O caso ganhou grande repercussão nacional e foi um dos mais comentados nas redes sociais e no meio político. Segundo a liminar, o município não poderá retirar os livros de circulação em "função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo (sic)". 

"Desta forma, concede-se a medida liminar para compelir as autoridades impetradas a se absterem de buscar e apreender obras em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo (sic). Concede-se a liminar, igualmente, para compelir as autoridades impetradas a se absterem de cassar a licença para a Bienal, em decorrência dos fatos veiculados neste mandamus", diz trecho da decisão do desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. 


(Foto: Facebook / Bienal do Livro)
 

Mais cedo, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), da prefeitura do Rio de Janeiro, informou que não encontrou nenhum material em desacordo às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na Bienal do Livro.  

Durante a fiscalização da prefeitura na Bienal,  o subsecretário de operações da Seop, coronel Wolney Dias, informou que a ação era uma determinação da Procuradoria Geral do Município. "Se ele [o livro] não estiver seguindo as recomendações de estar lacrado e com a orientação quanto ao conteúdo, nós vamos apreender esse material”, disse Dias, ao chegar à Bienal. Ao fim da fiscalização, no entanto, nenhuma publicação havia sido apreendida, segundo os organizadores do evento. 

O livro Vingadores - A cruzada das crianças, um HQ da Marvel, teve as vendas esgotadas, segundo a Bienal, pouco depois de o prefeito Marcelo Crivella anunciar, em vídeo, que havia determinado sua apreensão. Na gravação, o político evangélico disse que o livro contém  "imagens impróprias" para crianças e adolescentes. 
A publicação traz uma história em quadrinhos sobre uma aventura dos Jovens Vingadores. Uma das páginas mostra o desenho de dois homens se beijando. 

O mandado de segurança protocolado pela Bienal no TJRJ, além de garantir a continuidade do evento, busca preservar o direito dos expositores de “comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas”. 
 
A Bienal  informou que prosseguirá com a programação no fim de semana, "dando voz a todos os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser". A organização acrescentou que a mostra "é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados". 

Até domingo, o evento recebe autores, artistas, pensadores e acadêmicos do Brasil e do exterior para participar de 39 painéis sobre os mais variados temas, como fake News, felicidade, ciências, maternidade, teatro, literatura trans, LGBTQA . 

Repercusão  

No fim da tarde de sexta-feira, os vereadores Tarcísio Motta e Renato Cinco , ambos do PSOL, informaram que  entraram com representação junto ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro solicitando uma investigação sobre a fiscalização realizada pela prefeitura. Segundo eles, há indícios de improbidade administrativa, censura prévia e violação do direito à liberdade expressão. 

Na ultima quinta-feira, a prefeitura do Rio notificou, através da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), a organização da Bienal a "adequar as obras expostas na feira" aos artigos 74 e 80 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A justificativa é de que a legislação determina que publicações com cenas impróprias a menores de idade sejam comercializadas com lacre, com a devida advertência de classificação indicativa.   

"No caso em questão, a prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo", diz a nota da prefeitura. 
 
De acordo com o texto, a editora sabia da "obrigação legal", tanto que a obra estava lacrada. O problema é que, segundo a prefeitura, "não havia uma advertência neste sentido, para que as pessoas fizessem sua livre opção de consumir obra artística de super-heróis retratados de forma diversa da esperada".  Apesar da acusação de censura, a prefeitura garante que não houve "qualquer ato de trans ou homofobia ou qualquer tipo de censura à abordagem feita livremente pelo autor". 

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, Hélder Salomão (PT-ES), criticou o prefeito Marcelo Crivella. “A atitude do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, é mais um retrocesso para cercear a nossa liberdade. Mistura censura, autoritarismo e fundamentalismo. Os tempos obscuros estão de volta, rondando a democracia brasileira e é fundamental manter a nossa capacidade de resistência neste momento", disse o parlamentar ao Correio.

"Crivella segue a cartilha do presidente Jair Bolsonaro, que tem uma lógica de ódio e desrespeito à cultura, à educação e ao conhecimento. Estamos vivendo a desconstrução da lógica republicana e a naturalização da barbárie”, acrescentou Salomão.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), usou de ironia para criticar a administração carioca. "É porque o Rio está uma "MARAVILHA". A educação e a saúde perfeitas! As ruas limpíssimas e os moradores SATISFEITOS... até parece! Senhor @MCrivella, acorda! A Bienal é palco da diversidade de pensamento, seja você contrário ou não. Pare de ser fiscal do amor alheio e GOVERNE", escreveu a parlamentar no Twitter. Em outro post, ela disse: "O público da Bienal deu uma resposta à tentativa medieval de censura de Crivella a um livro com beijo gay: esgotou a edição às 10hrs. País que defende que criança faça arminha com a mão, mas não possa entender a pluralidade do amor e do afeto é grave".

Na mesma rede social, o ex-ministro do meio ambiente Carlos Minc engrossou o coro das críticas: "Se um jovem é chicoteado, bispo Crívella não acha imoral. Se estudante é assassinado a tiro de fuzil, Crívella não vê sentimento religioso agredido. Se casal LGBT é agredido, tão pouco é objeto de ação do prefeito. Mas se há 1 beijo gay na HQ joga a guarda. O que choca é o amor?".

A deputada Erika (PT-DF), outra integrante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, também condenou o que chamou de censura. "Impróprio,Pornográfico e CRIMINOSO é a censura e a teocracia medieval que Crivella tenta impor! Bem fez o público da Bienal que  reagiu e esgotou os exemplares da HQ em poucas horas, e também a @cialetras que lançou a campanha 'Leia com orgulho'! Fascistas Não Passarão!", tuitou.

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