Caça de animais no Parque Serra da Capivara foge do controle

30 anos de conservação da fauna pela Fundação Museu do Homem Americano estão ameaçados

Por André Pessoa,

A manchete até pode parecer, num primeiro momento, sensacionalista, já que o Parque Nacional Serra da Capivara é uma das áreas mais bem conservadas da Caatinga. Mas, segundo a maioria dos vigilantes que trabalham na reserva, a realidade é essa, nua e crua. 

Caça de animais no Parque Serra da Capivara foge do controle (Foto: divulgação)

A última grande operação de fiscalização no interior do parque nacional foi no mês de abril de 2019 quando uma equipe de fiscais do ICMBio esteve em São Raimundo Nonato e região, resultando em grandes apreensões. Depois disso, somente mais uma operação aconteceu durante a inauguração da Companhia de Polícia Ambiental em São Raimundo Nonato, em agosto do ano passado, que realizou uma blitz de treinamento também com resultados significativos, mostrando que a caça efetivamente existe. Na ocasião mais de 150 animais, entre vivos e abatidos foram apreendidos.

30 anos de conservação da fauna pela Fundação Museu do Homem Americano estão ameaçados (Foto: divulgação)

Nas fotos de arquivo dessa reportagem a prova de que as operações no passado e atualmente sempre aprendem grandes quantidades de animais abatidos. Um problema para a conservação dos ecossistemas da reserva federal.

A fiscalização ostensiva, ao contrário, inibe a caça, evita que o animal seja morto. Por isso o sucesso na conservação da fauna nas ações desenvolvidas pela FUMDHAM nas ultimas três décadas. 

Muitas questões burocráticas e jurídicas podem ser levantadas pelos defensores dos caçadores ou da observância cega da lei, mas a verdade é que as ações, na maioria das vezes, funcionava. 

A última grande operação de fiscalização no interior do parque nacional foi no mês de abril de 2019 (Foto: divulgação)

Mesmo no caso do assassinato de um dos vigilantes, além de dois outros baleados por caçadores em João Costa, a situação, apesar de dramática, evitou a morte dos animais selvagens. Mesmo que o custo tenha sido, absurdamente, uma vida humana. 

Logo em seguida, aproveitando a oportunidade, o ICMBio fez uma mudança radical. O que deveria ser para melhor, terminou se mostrando pior, segundo os próprios vigilantes. Todos eles perderam o porte de armas e os coletes. Na verdade, alguns deles já tinham perdido antes mesmo do caso, numa ação de contenção de despesas. Esse fato pode, inclusive, ter sido decisivo para a morte do vigilante.

Agora, prostados nas guaritas, muitas delas distantes mais de 50km da cidade, sem coletes, sem armas, sem transporte - eles precisam se deslocar diariamente em seus veículos, na maior parte dos casos motos -, num risco constante ao trafegar por longas distâncias em rodovias federais com significativo movimento. Dia e noite. Mortes já aconteceram nesses deslocamentos. Além disso, atualmente eles não recebem ajuda de custo para combustível nem vale refeição.

(Foto: divulgação)

Antes, apesar das polêmicas, os vigilantes tinham porte de arma, coletes e eram treinados pelas empresas de segurança e depois cadastrados pela Polícia Federal. As rondas funcionavam como numa empresa ou fazenda privada. Os vigilantes faziam rotas e, ao constatar a presença da caçadores, sempre que possível, acionavam a Polícia Militar para as prisões. Com isso, evitavam que os animais fossem mortos. Agora, esporadicamente quando existem operações, a maioria dos animais já são encontrados abatidos, o que não resolve muito a conservação da fauna. Ao contrário, as prisões por mortes de animais silvestres  quase sempre criam um conflito social entre as comunidades e o parque.

Com a criação da primeira Companhia de Polícia Ambiental  do interior do Piauí no município de São Raimundo Nonato, a expectativa era essa: usar a experiência dos vigilantes, alguns com décadas de trabalhos no parque, para auxiliar a polícia nas operações. Mas atualmente, apesar da Polícia Ambiental estar presente na região, os soldados, por mais competentes, dedicados, capacitados, treinados e bem intencionados que sejam, não conhecem os detalhes da reserva. Não tem a expertise dos vigilantes, muitos deles ex-caçadores que se tornaram defensores da natureza e usam a sua experiência para a proteção da reserva.

A suposta parceria entre o Parque Nacional Serra da Capivara e a Companhia Ambiental ficou apenas no papel. Nenhuma ação foi realizada nos últimos meses na área interna do parque. Falta atitude por parte da gerência do parque para incrementar a parceria e trazer resultados. De prático mesmo a única coisa que aconteceu foi a cessão de um rádio com a frequência do parque para situações de emergência.

A realidade ficou mais ou menos assim: ninguém cobra nada e ninguém faz nada! Os caçadores agradecem. Hoje mesmo ao escrever essa reportagem, um empresário de SRN fez uma denúncia: um caçador já reincidente está trazendo comparsas da cidade de Petrolina (PE), para caçar na região.  

Em São João do Piauí, em dezembro passado, ao encontrar com um caçador pelas ruas da cidade, uma testemunha observou e comentou em suas palavras: “Me surpreendi com o recrudescimento do comércio do tatu na cidade. Procurei a procedência e, jocosamente, o caçador me respondeu: das terras da Niède”.

Não existe mais vigilância ostensiva. A proteção está restrita às guaritas do parque e, apenas a noite. Durante o dia as mulheres assumem os postos e ficam sozinhas em dupla, mesmo nos lugares mais isolados e perigosos da Serra da Capivara. O único alento é o sistema de rádio para pedir apoio. Nunca funcionou pois os caçadores não entram no parque pelas guaritas, mas sim pelas estradas e carreiros isolados.

Para piorar o descaso, o fardamento fornecido pela empresa contratada lembra mais os de um vigilante de um órgão público nas cidades, totalmente inadequado para uma área ambiental, selvagem. Ao invés de botas, sapatos de cano baixo. No lugar da roupa camuflada ou nas cores da natureza, um azul e preto impróprios para uma zona ambiental.

Ainda assim, a empresa que contrata esses terceirizados para o órgão, está com os salários dos seus funcionários atrasados, conforme notícia veiculada ontem pela mídia do Piauí.

O medo agora são os vigilantes sofrerem represálias da empresa ou da chefia do parque, já que estão denunciando de forma anônima esse estado de coisas. Seria o cúmulo do absurdo demitir os vigilantes com anos de serviços prestados ao parque. Muitos formados ainda pela equipe da pesquisadora Niéde Guidon décadas atrás. Certamente se isso acontecer, desencadearia uma forte repercussão nacional.

Comente

Pequisar