Entenda a PEC de Flávio Bolsonaro que é acusada de tentar privatizar praias
O assunto ganhou repercussão nacional após troca de farpas entre Neymar e Luana Piovani sobre o tema
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/22, que visa transferir os chamados Terrenos de Marinha aos proprietários particulares mediante pagamento, defendeu o texto em suas redes sociais nesta terça-feira. A defesa veio em meio à polêmica gerada por uma troca de ofensas entre o jogador Neymar, do Al-Hilal, e a atriz Luana Piovani. O senador afirmou que “andam inventando que praias serão privatizadas” e atribuiu essa narrativa a “malucos de esquerda”.
A discussão entre Neymar e Luana Piovani trouxe ainda mais atenção para a PEC. A atriz acusou Neymar de ter interesse na emenda devido a um acordo com a incorporadora Due, que planeja um empreendimento turístico no Nordeste, chamado Caribe Brasileiro. A assessoria de Neymar negou que o projeto turístico seja beneficiado pela PEC.
- Participe do nosso grupo de WhatsApp
- Participe do nosso grupo de Telegram
- Confira os jogos e classificação dos principais campeonatos
Em um vídeo publicado no X, Flávio Bolsonaro rebateu alegações, afirmando que a ideia de privatização das praias é uma narrativa falsa criada pela esquerda.
“Isso é uma grande mentira. Uma narrativa que a esquerda está criando, porque o governo está com medo de perder a arrecadação,” disse o senador. “Imagina se você tem um grande empreendimento que quer se instalar na Bahia e a gente acabou com o foro, com o laudêmio. Obviamente que o empresário vai ter mais interesse, porque vai ficar mais barato, sim.”

Mas afinal, vai privatizar?
A PEC 03/22 busca consolidar em 898 artigos toda a legislação eleitoral e partidária, incluindo as mudanças propostas para os chamados Terrenos de Marinha. A votação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado está marcada para 12 de junho. O projeto foi apresentado a mais de 10 anos, em 2011, pelo ex-deputado Arnaldo Jordy (PA). Agora, foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, onde começou a ser discutido através do relator da proposta, Flávio Bolsonaro.
Terrenos de marinha correspondem a uma faixa que começa 33 metros após o ponto mais alto que a maré atinge. Esses terrenos não incluem a praia e o mar, áreas frequentadas pelos banhistas, que permaneceriam públicas. No entanto, especialistas alertam que a mudança abre brecha para que os empreendimentos fechem os locais de acesso às praias, e dificultem a entrada de pessoas não pagantes.

Os terrenos de marinha são uma faixa de terra contada a partir do ponto mais alto das marés, delimitada no Brasil Colônia, em 1831. Rios e lagos influenciados pelas marés também são considerados terrenos de marinha.
Atualmente, esses lotes representam 48 mil km em linha reta e compõem 70% de todas as áreas em nome do governo federal. Pela legislação vigente, a União, dona dos terrenos de marinha, pode permitir que pessoas e empresas utilizem e até transmitam as terras aos seus herdeiros, desde que paguem impostos específicos, além disso, parte da propriedade dos locais segue sendo da União.
A proposta discutida no Senado autoriza a venda dos terrenos de marinha para empresas e pessoas que já ocupam essas áreas. Com a aprovação da PEC, os lotes deixariam de ser compartilhados entre o governo e os ocupantes, passando a ter apenas um proprietário, como um hotel ou resort.
Somente áreas não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos, permaneceriam sob controle do governo.
Privatização ao acesso, não às praias
A diretora de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, esclareceu, em entrevista ao G1, que a PEC abre brecha para "privatizar o acesso à praia, e não a praia em si", pois a área frequentada pelos banhistas continuaria sob domínio da União. A proposta, segundo ela, não prevê a privatização direta das praias, mas permite que empresas cerquem os terrenos, dificultando a passagem dos banhistas na faixa de areia, como já ocorre em alguns resorts.
"São áreas de restinga, mangues, dunas, pedaços de praia mais para cima, entradas de rios. São locais sob influência da maré e têm ligação direta com o aumento do nível do mar. Esses terrenos são a salvaguarda para a adaptação à mudança do clima," disse Prates ao g1.
A PEC propõe retirar da União a propriedade exclusiva sobre os terrenos de marinha, transferindo-a para estados, municípios ou proprietários privados. Virgínia Machado, professora de Direito Administrativo e Auditoria Pública, menciona que não está claro na PEC que as praias, bens públicos e de uso comum do povo, serão privatizadas. No entanto, a transferência de propriedade pode indiretamente levar a essa consequência.
Machado alerta ainda que a proposta possibilita ao mercado imobiliário se apropriar das áreas e fazer o que quiser, como instalar hotéis, resorts e condomínios na beira do mar, onde a população precisaria pagar para acessar a praia.
Meio Ambiente
Além da polêmica em torno da suposta privatização das praias, o projeto levanta alertas de ambientalistas e especialistas. Segundo eles, essa faixa de território à beira-mar é crucial para mensurar as mudanças climáticas e suas consequências para a ocupação humana.
Grupos de estudo do Painel Mar, plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, a proteção dos mangues e restingas, que normalmente ficam nos terrenos de marinha, ajuda a enfrentar as mudanças climáticas, pois essas áreas funcionam como uma barreira natural, que ameniza a gravidade de situações como a vivida no Rio Grande do Sul. Além disso, argumentam que não faz sentido vender terrenos que estão sob risco de desaparecer, devido ao aumento do nível do mar, que é de 4mm ao ano.
Se essas áreas, responsáveis pela absorção de carbono, forem vendidas empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental. E isso, de acordo com a plataforma, vai fragilizar ainda mais comunidades tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver -- populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas.
Fonte: Com informações do G1