EDITORIAL — Como seria bom viver na propaganda do governo
Realidade de seca e pobreza contradiz gastos com IAs
Enquanto concede entrevistas à TV Cultura e posa para os jornais locais, o governador Rafael Fonteles (PT) constrói uma narrativa paralela, ou utópica: um Piauí que avança com hidrogênio verde, inteligência artificial e um porto bilionário que jamais viu navios.

A retórica é futurista, mas os números oficiais revelam um estado atolado em problemas básicos que nenhum marketing institucional é capaz de disfarçar.
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Fonteles declarou-se “simpático” à ideia de acabar com o regime de trabalho 6 por 1, proposta por Lula no Dia do Trabalhador. Mas, antes de flertar com fantasias laborais em rede nacional, o governador deveria encarar a realidade de quem mal tem carteira assinada no estado. De acordo com o IBGE, 54,6% da população ocupada no Piauí está na informalidade — a terceira maior taxa do país. Apenas metade dos trabalhadores do setor privado possui vínculo formal de emprego.
Além disso, o Piauí lidera o ranking nacional de subutilização da força de trabalho (33%) e tem uma das maiores taxas de desalento do Brasil (8,3%), refletindo o desânimo generalizado de milhares de piauienses que já desistiram de procurar emprego.
Enquanto se gasta tempo, dinheiro e energia com prompts, a pobreza atinge 45,3% da população — quase 1,5 milhão de pessoas sobrevivem com menos de R$ 665 por mês — e 8,1% estão em extrema pobreza, com menos de R$ 209 mensais. No ranking de renda per capita, o estado ocupa a quarta pior posição do país, com R$ 1.350 por pessoa, bem abaixo da média nacional de R$ 2.069.
Em meio a essa paisagem social crítica, Rafael Fonteles investe pesado em propaganda e promessas de um futuro tecnodigital. Diz que o Piauí está “à frente da China e dos EUA” no ensino de inteligência artificial, ignora a precariedade do presente e anuncia a criação da SoberanIA — uma plataforma de IA 100% em português, prometida para junho.
E tudo isso é no mesmo Estado que decretou emergência em 129 municípios por causa da seca e depende de medidas paliativas para manter vivos seus pequenos produtores rurais.
Para financiar essa máquina de sonho e retórica, o governador não hesita em recorrer ao velho expediente do endividamento.
Fonteles protocolou na Assembleia Legislativa dois novos pedidos de empréstimo que, somados, chegam a R$ 5,2 bilhões. Isso se soma a uma solicitação anterior de R$ 5,8 bilhões feita na semana passada, totalizando R$ 11 bilhões em operações de crédito em tramitação.
O primeiro pedido é um empréstimo de US$ 392 milhões (aproximadamente R$ 2,2 bilhões) junto ao Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), com garantia da União e pagamento previsto em até 35 anos. O segundo, de R$ 2,98 bilhões, será contratado junto ao Banco do Brasil. Ambos são justificados como parte do programa “Piauí Sustentável e Desenvolvido”, nome pomposo que esconde a real função dos recursos: reestruturar dívidas antigas para abrir espaço no caixa.
Em 2024, o Estado teve que desembolsar R$ 1,67 bilhão apenas com pagamentos a bancos — um valor bilionário que representa apenas uma fração da dívida total e os custos de uma brincadeira de governo que se tornou grande demais para continuar. O horizonte é o de um endividamento de longo prazo, com juros e amortizações que comprometerão futuras gestões e manterão o estado sob o jugo das instituições financeiras.
Em suma, Rafael Fonteles governa um Piauí imaginário — um estado de vitrine, onde discursos sobre IA e sustentabilidade abafam a precariedade das estatísticas. O abismo entre o discurso e a realidade cresce a cada novo empréstimo, a cada dado omitido, a cada promessa lançada como cortina de fumaça e a população já começa a se queixar de tais problemas reais, do mundo não artificial da propaganda de governo.
A verdade é simples e resistente: não há futuro digital possível sem emprego, renda, saúde, água e educação no presente. E, por enquanto, o Piauí real segue distante do que se propaga nos telões e se o governador não se atentar desses fatos, perderá a eleição para ele mesmo.
Fonte: Portal AZ