Sem bolsa família seria muito pior, dona Betty Faria

A cara da classe média brasileira, não foi capaz de compreender que não é o Bolsa-Família que produz a violência, mas um sistema que não avança na educação dos mais pobres

Betty Faria, a atriz que associou surtos de criminalidade e violência em Copacabana ao Bolsa-Família, faz parte de uma multidão de brasileiros que não se deu conta de que tudo seria pior sem programas de assistência financeira oficial aos mais pobres. Seria uma barbárie, poderíamos ter famélicos em hordas saqueando supermercados e outras lojas. 

Num contexto de inexistência da assistência financeira oficial, é possível que se aprofundasse a assertiva do professor Milton Santos, geógrafo, humanista e grande pensador brasileiro, para quem “existem apenas duas classes sociais, a dos que não comem e a dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem.”
Por isso, programas de assistência financeira oficial podem ter o condão de mitigar convulsões sociais, que poderiam resultar nos já citados saques a lojas e supermercados – mesmo nas bolhas da classe média brasileira, uma abominação ética e cognitiva, nas bem-postas palavras da filósofa Marilena Chauí.

Betty Faria, a cara da classe média brasileira, não foi capaz de compreender (daí ser parte da abominação cognitiva) que não é o Bolsa-Família que produz a violência, mas um sistema que não avança na educação dos mais pobres, condenando-os quando não ao desemprego sistêmico aos empregos mais mal remunerados, incluindo os de trabalhadores domésticos da classe média escravocrata que tem a cara de gente como a Betty Faria.

Imaginemos um contingente de 30 milhões de pessoas sem programas oficiais de assistência financeira (Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada etc.)? O que fariam essas criaturas para sobreviver? É bastante possível que se submetessem a condições de trabalho ainda mais degradantes do que aquelas normalmente oferecidas aos trabalhadores menos qualificados; é possível que ampliassem a participação no tráfico que fornece drogas recreativas a filhos e netos de pessoas como a Betty Faria; é ainda razoável supor-se que poderiam oferecer seus filhos e netos à exploração sexual de crianças e adolescentes, uma praga num país que ainda não conseguiu incluir econômica e socialmente todos os seus cidadãos.
O Bolsa-Família é, volta e meia, apontado como responsável pela manutenção da pobreza no país – sobretudo entre brasileiros negros e pardos. Ninguém lembra de 300 anos de escravidão; nenhuma palavra sobre a Lei Geral de Terras, de 1850, que impediu pessoas pobres (e pretas, claro) de terem acesso à terra; nenhuma linha acerca de legislações impeditivas para crianças negras em escolas no século XIX. 
O latifúndio e a deseducação venceram, fazendo surgir não uma sociedade mais diversa e rica, mas de concentração de renda, que produz gente como Betty Faria.
As críticas a programas como o Bolsa Família são feitas por gente que nunca sentiu fome de verdade, aquela experimentada cotidianamente por milhões de brasileiros que não tem a certeza do que vão ter para pôr no estômago dia após dia. Mais que isso: são críticas vazias de argumentos e dados, porque se forem buscar as raízes da violência, da miséria, da fome, da má educação etc. brasileiros como Betty Faria vão se enxergar no espelho como responsáveis históricos por tudo isso.
O Brasil bonito da classe média como abominação ética (que comete violência contra o outro que ela nega) é assim uma espécie de um continental retrato de Dorian Gray.

Comente

Pequisar