Discurso de ódio e liberdade de expressão
Discurso de ódio e liberdade de expressão
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota da Alemanha nazista e a melhor compreensão de seu projeto de dominação baseado no extermínio de grupos indesejáveis, surge, então, uma preocupação política em conter ideias baseadas na exterminação de opositores ou de grupos políticos considerados “diferentes”.
Não há no Brasil legislação especifica para conter, coibir e punir o “discurso de ódio”. Nossa Constituição Federal, promulgada após o fim da ditadura militar, garante apenas a igualdade de todos perante a lei e a proteção legal contra a discriminação, o preconceito e o racismo. Isso é tudo? Não! Precisamos avançar ainda mais em direção ao ódio, máxime na “redoma” política.
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Como se aprendeu nas lutas universitárias, política deve ser praticada com argumento, com estratégia, com planejamento e com convencimento. Não pregando a “eliminação”, a “exclusão” e até mesmo a “destruição” do outro em nome da “pureza” de outrem ou de “mitos” políticos utópicos, de impostores e enganadores travestidos de honrados.
Dados estatísticos e históricos abundantes indicam e comprovam que há forte correlação entre expressão de ódio e violência física. Genocídios, segregações e discriminações sociais foram todas acompanhadas pela promoção de expressões e de discursos de ódio.
Recentemente, como que doutrinados, pessoas despreparadas e incorrigíveis socialmente têm confundido discurso de ódio com liberdade de expressão. Esta não é um direito absoluto, porquanto limitada por outros direitos fundamentais. Constitucionalmente, a ninguém é dado o direito de pregar e disseminar o desrespeito aos outros pelo sentimento puramente de ódio, de aversão.
O discurso de ódio, além de ofender as expressões conquistadas por uma sociedade civilizada, não visa ao diálogo, mas busca apenas silenciar - quando não suprimir - a expressão de outrem, quer no campo social como no ambiente político interno e externo. Portanto, o “discurso do ódio” não pode ser confundido com liberdade de expressão.
Estados Unidos, França e Inglaterra possuem - além de normas de contenção do discurso de ódio - órgãos reguladores e diretivos específicos voltados ao monitoramento desse tipo de violação aos direitos humanos. O mundo democrático construiu, nas últimas décadas, um entendimento comum sobre a necessidade de se conter o discurso de ódio.
O espanhol Ignácio Morgado Bernal, autor da obra “Emoções Corrosivas”, diz que “a situação política que vivemos há anos está deixando muitas sequelas de ódio. Nas redes sociais esse ódio se manifesta com virulência e até com nome e sobrenome. E eu me preocupo mais com essas sequelas do que com a própria evolução da situação política, ainda que ambas estejam relacionadas”.
Bernal entende que as pessoas retratam o ódio apelando para emoções negativas e intensas como desprezo, raiva ou nojo causados pela crença ou, então, no julgamento de que a pessoa odiada é um ser malvado e detestável. É como um estado de excitação, de fixação e de desejo de vingança.
Para Bernal, o ódio é especialmente grave quando, além de mudar pensamentos e emoções, proclama e prega a condenação moral e a desumanização da pessoa odiada. E cita suas fontes:
• crenças e preconceitos;
• por ideologia, especialmente quando se torna fanatismo, que costuma reagir a ódios ancestrais que interessa perpetuar, e a ambições de poder.
O poeta, romancista e ensaísta alemão Hermann Hesse, Prêmio Nobel de Literatura, deixou-nos um profundo ensinamento: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba”. O célebre francês Victor Hugo, autor de "Os miseráveis" e "O Corcunda de Notre Dame", deixou-nos outra exemplar lição: “Quanto menor é o coração, mais ódio carrega”.
Infelizmente, no Brasil o ódio é individual e compartilhado por muita gente nas redes sociais. E o que é pior: quem odeia se sente conduzido a levar os outros a odiar também, pois a validação de seu ódio pelos outros na internet reforça a autoestima e ao mesmo tempo em que impede o outro de raciocinar sobre sua capacidade para odiar. É coisa tenebrosa!
No Piauí, por exemplo, de certo tempo para cá surgiram grupos que se consideram moral e – pasmem! - até intelectualmente superiores a outros. O recurso usado: demonizar adversários e indesejáveis para eles com uma incompreensível e inaceitável virulência verbal, incitando ódio e legitimando a violência. Pura desqualificação!
“Todos temos sentimentos bons e ruins ao longo da vida. Expectativas frustradas ou não aceitar alguns acontecimentos podem gerar rancor e ódio. O problema é nutrir estes sentimentos. O poeta inglês George Lord Byron disse uma realidade frustrante: “Os homens amam com pressa, mas odeiam com calma”. Isso significa que as pessoas guardam mais sentimentos ruins do que bons. Assim, ficam amargas, afastando parentes e amigos do convívio, gerando tristeza e dor. Um dado importante: cultivar o ódio pode prejudicar a saúde”, diz Marcelo Levites, médico, clínico geral, coordenador do programa de longevidade do Hospital 9 de Julho, diretor da SOBRAMFA - Educação Médica e Humanismo, mestre em Educação e doutor em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP).
Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá e Nelson Mandela nos mostraram como buscar o bem coletivo. E mais! De que uma boa educação para combater o ódio deveria ensinar a cada um de nós a ser sábio mais do que inteligente, pois o ódio nunca resolve problemas.
“Um dos maiores desafios do ser humano tem sido existir e coexistir na terra que habitamos, na nossa casa comum. Por isso a necessidade da tolerância, a atitude de aceitação e respeito entre seres humanos em sua diversidade, em responsabilidade com a vida em comum. Significa atribuir valor às diferenças, quaisquer que sejam, entre os indivíduos, que compõem o incrível mosaico que é o mundo. Portanto, tolerância não é a convivência entre iguais, mas a vivência em comum que leva em conta diferenças, divergências e discordâncias como componentes do coexistir humano” (Magali do Nascimento Cunha, doutora em Ciências da Comunicação).
DO DISCURSO AO CRIME
Os crimes de ódio moldaram e influenciaram a História. Seu retrospecto remonta à perseguição dos cristãos pelos romanos, à "solução final" de Adolf Hitler contra os judeus, à limpeza étnica na Bósnia e ao genocídio em Ruanda. Nos Estados Unidos, os exemplos incluem violência e intimidação contra os americanos nativos, o linchamento de negros e o incêndio de cruzes pela Ku Klux Klan, agressões a homossexuais, e a pintura de suásticas em frente a sinagogas. O conceito de crime de ódio surgiu nos anos de 1980, nos Estados Unidos, a partir de um determinado contexto político, quando grande parte das demandas sociais articulavam-se em torno de identidades específicas, como o movimento gay. O crime de ódio torna-se uma forma específica de delito Ku Klux Kan e pelos crimes contra homossexuais. Na América Latina o crime de ódio começa a ser considerado a partir do ativismo de grupos políticos durante os anos 1990 e 2000. Foi inicialmente uma ferramenta política, antes de ser uma ferramenta jurídica.
ASPECTOS PSICOLÓGICOS
Do ponto de vista psicológico, os crimes de ódio podem produzir consequências devastadoras. Um manual elaborado no Canadá lista as seguintes consequências:
• efeito sobre as pessoas — abalo psicológico e afetivo; repercussão sobre a identidade e a valorização pessoal da vítima; ambos acentuados pelo grau de violência normalmente maior do crime de ódio em relação ao crime comum;
• efeito sobre o grupo visado — terror generalizado no grupo a que pertence a vítima, inspirando o sentimento de vulnerabilidade sobre os demais membros, que poderão ser as próximas vítimas;
• efeito sobre outros grupos vulneráveis — efeito nefasto sobre grupos minoritários ou que se identificam com o grupo visado, sobretudo se o ódio em causa se apoia sobre uma ideologia ou doutrina contrária a diversos grupos;
• efeito sobre o conjunto da coletividade — estimulação da divisão no seio da sociedade, abominação que atinge conceitos como a harmonia e a igualdade de uma sociedade multicultural.
A Constituição Federal define como “objetivo fundamental da República” (art. 3º, inciso IV) o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação”. A expressão "quaisquer outras formas" refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no referido dispositivo, tais como a orientação sexual, a discriminação em razão da profissão, o “ódio político disseminado e pontual”, entre outras.