Direito Penal Eleitoral
Direito Penal Eleitoral
No Direito Eleitoral, o “caixa 2" é uma forma de delito de falsidade ideológica, que vem a ser a prestação de uma declaração falsa. O delito vem previsto no art. 350, do Código Eleitoral (CE), com pena de 5 anos de prisão se o documento é público.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que os crimes conexos ao “caixa 2” devem ser encaminhados para a Justiça Eleitoral. E isso tem gerado uma polêmica nacional. Porque, para muitos juristas, a Justiça Eleitoral não tem “expertise” e tampouco logística para enfrentar investigações e julgamentos de crimes conexos ao “caixa 2”, como, por exemplo, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção.
- Participe do nosso grupo de WhatsApp
- Participe do nosso grupo de Telegram
- Confira os jogos e classificação dos principais campeonatos
Criada em 1932, nossa Justiça Eleitoral é um ramo especializado do Poder Judiciário com atuação subdividida da seguinte forma: jurisdicional, com competência para julgar questões eleitorais; administrativa, responsável pela organização e realização das eleições, dos referendos e dos plebiscitos; e, por último, regulamentar, que elabora normas referentes ao processo eleitoral.
Bem, a questão criminal e o processo e julgamento de crimes conexos é que reside a discussão. É bem verdade que o Código Eleitoral apresenta um sistema processual especial e simplificado. Porém, às infrações eleitorais e seus crimes conexos o CE permite que o Código de Processo Penal (CPP) tenha, na esfera da respectiva Justiça especializada, aplicação subsidiária ou supletiva, na forma prevista no art. 364.
O art. 35, inciso II, do CE, dispõe que os juízes eleitorais possuem competência para “processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais”. Foi com base no ora poderoso dispositivo que o STF reforçou a tese por maioria para encaminhar à Justiça Eleitoral a investigação e o julgamento do “caixa 2” e seus crimes conexos.
Poucos não compreendem, mas os juízes eleitorais julgam os crimes tipificados nos arts. 289 a 354, do CE como também aqueles de competência da Justiça Comum Federal, “ex vi” do art. 109, IV, V, V-A, VI, IX e X, da Constituição Federal, e, por fim, os de competência residual (Justiça Estadual) que forem conexos aos crimes eleitorais, com as regras estabelecidas no art. 76 e seguintes, do CPP.
Inegavelmente, haverá sempre uma dificuldade para que a Justiça Eleitoral possa enfrentar a questão do “caixa 2” e a conexão ou continência. Isso porque o procedimento especial eleitoral dos crimes eleitorais possui diversas especificidades. Muito embora o Código Eleitoral tenha sido recepcionado pela atual Constituição, haverá sempre uma dificuldade em conformar os postulados do processo penal com a instrumentalidade constitucional-eleitoral. Daí o ceticismo de que a Justiça Eleitoral possa mesmo punir com eficiência o “caixa 2” e os crimes conexos.
Na prática, vamos observar uma situação concreta. Veja, pois, que a finalidade eleitoral do crime de falsidade ideológica não se resume apenas ao ato de votar. O elemento do tipo pode estar presente caso o candidato omita em sua prestação de contas arrecadação e gastos de campanha, tidos, pois, como falsidade ideológica (“caixa 2”). Estaríamos diante de duas figuras penais conexas de competência da Justiça Eleitoral, quais sejam o crime penal eleitoral previsto no art. 350, do Código Eleitoral e o crime penal comum previsto no art. 299, do Código Penal, todos, evidentemente, como falsidade ideológica.
A Lei das Eleições considera grave a captação ilícita de recursos e a omissão de despesas na campanha eleitoral, impondo a severa sanção de impedir a diplomação do eleito ou de cassar o diploma, caso já tenha sido outorgado (art. 30-A, § 2º, da Lei 9.504/1997). Por isso são graves também os crimes de falsidade ideológica na esfera do Direito Eleitoral e no âmbito do Direito Penal.
Doravante, a dúvida é saber se uma Justiça Eleitoral criada em 1932 e com um código velho de 1965 (embora alterado, substancialmente) tenha mesmo condições para investigar, processar e julgar um complexo crime de corrupção conexo ao “caixa 2”.
A falsidade ideológica é crime de fácil e simples apuração. De corrupção, não! “Não que o tema seja novidade, pois a corrupção acompanha a história do Brasil. Basta ver que o Código Criminal do Império, em 1830, considerava peita o pagamento em dinheiro ou donativo (artigo 130) e suborno o tráfico de influência (artigo 133), havendo, para os juízes corruptos um tipo penal especial (artigo 131)”, avalia Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente, mestre e doutor em Direito pela UFPR.
Será, sem dúvida, um desafio para a Justiça Eleitoral. E sobre a complexidade do crime de corrupção praticado em conexão com o “caixa 2” o ministro Luis Roberto Barroso, do STF, tem uma posição bastante clara e convincente: “O problema não é para onde o dinheiro vai. O problema é de onde o dinheiro vem. O dinheiro vem de uma cultura de achaque, de corrupção, de propina que se disseminou de alto a baixo no país, que em todo contrato público tem alguma autoridade levando vantagem".
Com voto vencido no STF sobre a polêmica do “caixa 2” e seus crimes conexos, o ministro Barroso reconheceu a gravidade do tema e lamentou de forma enfática a decisão da Suprema Corte: "Pela primeira vez, na história do Brasil, nós estamos tendo resultados concretos e efetivos contra a corrupção. Ações da Justiça Federal levaram à condenação de inúmeros saqueadores do Estado brasileiro. O modelo de competência da Justiça Federal está dando certo. Nesse momento, em que se tem uma coisa que está dando certo, vem o Supremo e muda".
No livro “As Raízes do Crime Organizado”, o autor J. Haroldo dos Anjos trata do tema desde sua “raiz”, como propõe o título, passando pelas definições jurídicas e pela controversa relação entre Justiça e Corrupção, assim como aborda o funcionamento da Corrupção nos setores público e privado, antes mesmo que o Brasil pudesse sonhar em Operação Lava Jato ou em ver “colarinhos brancos” na prisão.
“Pouco ou nada se falava sobre o assunto (Crime Organizado) no poder público e ninguém tinha medo de ser punido, até a Lava Jato começar a mostrar o resultado e consequências. A maioria, até pouco tempo, tinha a certeza da impunidade. Executavam seus crimes, ameaçavam vítimas, testemunhas e nada acontecia, porque o sistema sempre foi falho, precário e lento para prender os ricos, mas rápido para prender os pobres. Ver grandes empresários, executivos e políticos corruptos atrás das grades, é fato recente. Não víamos coisa deste tipo nem em novela. Sem dúvidas, ainda há muito para se melhorar no nosso sistema judiciário. Ainda vemos os privilégios sendo amparados pelos “supremos” da vida, mas há que se reconhecer que já está havendo mudanças. O que não pode é retroceder as conquistas e, para isto, a participação da sociedade é fundamental. Temos que avançar”, conclui o autor e professor universitário.
Flávia Ribeiro, em sua obra “Direito Eleitoral”, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, p. 624, considerando os valores e interesses predominantemente atingidos, classifica os crimes eleitorais da seguinte forma:
I – lesivos à autenticidade do processo eleitoral;
II – lesivos ao funcionamento do serviço eleitoral.
III – lesivos à liberdade eleitoral;
IV – lesivos aos padrões éticos ou igualitários nas atividades eleitorais.