A razoável duração do processo

A razoável duração do processo

Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, a efetiva prestação jurisdicional foi erigida a princípio fundamental, pois foi acrescentado o inciso LXXVIII ao art. 5º, da vigente Carta Magna, que, hoje, adota o princípio do prazo razoável do processo, com a seguinte redação: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Em que pese devam imperar os princípios da celeridade e da duração do processo, também por imperativo constitucional são aqueles atinentes à razoabilidade e à proporcionalidade, assegurando que o processo não se estenda além do prazo e tampouco venha a comprometer a plena defesa e o contraditório, prejudicando, tanto no processo civil como no processo penal a(s) parte(s) interessada(s) ou o(s) indiciado(s) e acusado(s), respectivamente.

O jornalista Arimateia Azevedo, em sua coluna diária no Portal AZ, trouxe à baila um caso concreto sério e preocupante. E que se ajusta à nova moldagem da regra constitucional que alçou o princípio da “razoável duração do processo” - quer no procedimento administrativo como no judicial - a princípio fundamental da nossa Lei Maior. Diz o jornalista: “(...) De outra, também deve satisfações ao cidadão, porque apontá-lo como autor de um crime sem a conclusão do inquérito ou, por qualquer descuido ou desvelo, deixar em aberto uma investigação sem a denúncia inerente ao fato, significa colocar uma espada de Dâmocles por sobre a cabeça do acusado, que se vê às voltas com uma acusação sem fim, desmoralizado diante da opinião pública, porque a própria polícia assim quis (...)”.

Juridicamente, tocou em um ponto nevrálgico, crucial. No caso concreto suscitado, estamos diante de um característico ato administrativo que vem a ser o inquérito policial. Que, objetivamente, significa procedimento de Polícia Judiciária destinado a apurar a verdade real de um fato supostamente criminoso.

Os juristas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ensinam que "o direito de acesso à justiça exige que o Estado preste a adequada tutela jurisdicional que, para esses autores, significa, também, a tutela estatal tempestiva e efetiva". Segundo sustentam "há tutela adequada quando, para determinado caso concreto, há procedimento que pode ser dito adequado, porque hábil para atender determinada situação concreta, que é peculiar ou não a uma situação de direito material” (in Manual do processo de conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais).

“Com a introdução do prazo razoável na prestação jurisdicional como princípio constitucional surge o compromisso do Estado para com o cidadão, a fim de dar maior efetividade ao processo, em respeito ao direito fundamental de acesso à justiça, que merece ser festejado. Sua importância destaca-se como pressuposto para o exercício pleno da cidadania nos Estados Democráticos de Direito, garantindo aos cidadãos a concretização dos direitos que lhes são constitucionalmente assegurados. A demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas ansiedade e prejuízos de ordem material a exigir a justa e adequada solução em tempo aceitável. Algumas modificações recentes promovidas no Código de Processo Civil já tiveram por objetivo tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional” (por Bruno Lima Barcellos, especializado em Direito Processual pela UNAMA e Direito Penal e Processual penal pela ATAME/CÂNDIDO MENDES).

A razoável duração do processo, seja ele administrativo ou judicial, está intrinsecamente relacionada à segurança jurídica. Assim, um procedimento que se eterniza constrói “mácula de injustiça” futura. Em sua obra “Do prazo razoável na prestação jurisdicional”, Francisco Fernandes de Araújo disserta: “(...) O ideal seria obedecer aos prazos previstos pela própria lei, pois se o legislador os adotou já foi de caso pensado e não aleatoriamente. Contudo, considerando determinados fatores surgidos posteriormente à edição da lei, é possível que venham a dificultar um pouco mais a entrega da prestação jurisdicional nos prazos fixados, nascendo, então, uma certa dificuldade para fixar o que seria um prazo razoável para cada caso concreto”.

Não há, portanto, segurança jurídica quando o princípio da duração do processo é tingido pela ausência de razoabilidade de prazo, vinculada esta à emergência que toda pessoa tem de uma imediata ou breve certeza sobre a sua situação jurídico-processual, quer na esfera policial, quer no âmbito do Judiciário.

Por citação de Bruno Barcellos, uma das projeções do “due process of law” (o devido processo legal) é o princípio da celeridade ou o direito fundamental à duração razoável do processo, reconhecido primordialmente na "Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais", subscrita em Roma, em 04 de novembro de 1950. Reza o art. 6°: "Direito a um processo equitativo. 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela".

Inequivocamente, o cidadão ou a cidadã tem direito de saber - com a razoável e a necessária precisão - qual o tempo que poderá durar um processo administrativo ou judicial. Porque sem o qual não haverá Estado de Direito. Mas, injustificável e inaceitável abuso de direito.

Na ADI 2.667/MC/DF o Supremo Tribunal Federal esboçou e delimitou a tese de que "todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do 'substantive due process of law'".

“O réu tem o direito público subjetivo de ser julgado pelo Poder Público dentro de prazo razoável, sem demora excessiva nem dilações indevidas. (...) Traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional" (RTJ 187/933-934 - Rel. Min. Celso de Mello).

Isso quer dizer que a essência do “substantive due process of law” - trazido à luz pela tese da nossa Suprema Corte - reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação ou de procedimento que se revele opressiva(o) ou, como no caso concreto suscitado pelo jornalista, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade, dado que este envolve o princípio do justo processo e o sentimento de justiça não tardia.

Na visão dos juristas Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero “a expressão “processo justo” constrói um “modelo variável” que “pode assumir formas diversas, moldando-se às exigências do direito material e do caso concreto”. Desse modo, “o direito ao processo justo constituí cláusula geral” e “visa a assegurar a obtenção de uma decisão justa”. Nesse ponto de vista, “a atuação da administração judiciária tem de ser compreendida como uma forma de concretização do direito ao processo justo.
 

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