Brasil da estupidez
Brasil da estupidez
Com os aplausos do presidente da República, Jair Bolsonaro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que vai reduzir investimentos públicos em faculdades de Filosofia e Sociologia. Dará preferência aos investimentos em Ciências Médicas e Exatas, porque, segundo ele, dão retorno mais rápido.
Sinceramente, com todo o respeito, devo dizer que estamos diante de uma estupidez e de uma falta de preparo intelectual inominável, de uma insensatez e de uma absoluta falta de discernimento.
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Segundo Paul Tabori, renomado pesquisador psíquico, em seu livro "História Natural da Estupidez", ao lado da epidemia e do luxo dispendioso, "a estupidez é a mais mortífera arma ao alcance do ser humano". A obra é uma excelente reflexão acerca dessa característica inefável da raça humana, que é a estupidez. Contém exemplos históricos que marcaram a evolução da estupidez desde a Antiguidade até os dias atuais.
“Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. E não tenho certeza quanto à primeira” (Albert Einstein).
Relegar a Filosofia e a Sociologia a um plano inferior no ensino acadêmico brasileiro será, enfim, como diz a composição de Renato Russo, celebrar a estupidez e a vaidade humana; comemorar como idiotas; celebrar preconceito, aberração e esquecer da nossa gente com festa, velório e caixão.
A Filosofia, por exemplo, é o conhecimento pelo conhecimento. É a mãe de todas as ciências. Quando o pensamento racional surge em meio aos gregos do período arcaico, não havia distinção entre cientista, filósofo, matemático, geógrafo, historiador, físico,... Eram, na verdade, apenas pensadores e amantes do conhecimento.
Filosofia e Medicina
Quando a medicina se propõe a proteger os fracos e a cuidar dos doentes, ela está indo de encontro ao processo de seleção natural apontado por Darwin. Essa perspectiva, acompanhada do desafio de tentar superar a própria natureza, indica os desafios metodológicos e éticos dessa disciplina da saúde e a filosofia implícita em todo ato médico.
Os direitos do embrião, a noção de qualidade de vida e a questão da compaixão mostram a importância da Filosofia em todos os níveis da Medicina. A sabedoria médica é construída a partir do equilíbrio entre a devoção aos que sofrem, a aceitação razoável dos riscos e a consciência sobre os limites do nosso conhecimento como princípios fundantes.
Sem a Filosofia a Medicina fica capenga!
Sociologia e Medicina
Gilberto Freire, imortalizado mundialmente, toma a Medicina e os médicos como objeto de análise sociológica. Ao mesmo tempo em que pensa o papel do sociólogo e da sociologia na interpretação das doenças que afetam o homem, destaca as contribuições da sociologia e da antropologia para os médicos em sua prática profissional. Ou seja, ao médico sociólogo, ao sociólogo médico, ao médico antropólogo e ao antropólogo médico, aproximam-se destes as ciências sociais e humanas para a formação sociológica e antropológica do profissional, como condição para um entendimento do homem, não só do homem doente, mas das circunstâncias que envolvem o adoecimento. No encontro da Medicina com a Sociologia e dos sociólogos com os médicos o que Gilberto Freyre nos propõe é o desafio de pensarmos estas categorias em duas dimensões: a biológica e a social.
Filosofia e Engenharia
Hannah Arendt, filósofa alemã e uma das mais influentes do Século XX, afirmou que o lançamento do primeiro satélite, o Sputnik, foi resultado de um anseio humano de emancipação de nossa condição terrena. Interpretou filosoficamente o resultado dos esforços da Engenharia e da Ciência envolvidos naquele projeto. Compreendeu, por fim, que o Sputnik é um exemplo da união entre Engenharia, Ciência e Filosofia. No final das contas, apesar do sentido bélico e competitivo do Sputnik, o que a humanidade pretendeu no fundo foi conhecer e transcender.
Aristóteles, uma das maiores mentes da humanidade, pai da lógica formal, da biologia e da investigação criteriosa, afirmou em “Metafísica: o homem por natureza quer conhecer”: “O que está em jogo não é apenas a supremacia de um tipo de conhecimento, mas uma interligação de saberes para criar uma visão ampla da realidade e da própria humanidade”.
Para Alfredo de Moraes Rêgo Carneiro, pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília, “não existe conhecimento superior ao outro e, como disse Nietzsche, enquanto olhares as estrelas por cima de ti, ainda não tens o olhar daquele que sabe”. Disse ainda: “Enquanto nossos jovens acreditarem que existem conhecimentos superiores aos outros, como a eterna rixa entre Ciências Exatas e Humanas, eles também nunca terão o olhar dos homens que sabem. Ficarão sempre presos no círculo vicioso da profissão sem a capacidade de pensar de forma mais ampla sobre a condição humana e as coisas do mundo”.
Sociologia e Engenharia
Professor, por que eu preciso estudar Sociologia se eu quero ser engenheiro?
Hoje, é fato presente e corriqueiro o ideal humanista para a educação profissional do engenheiro diante dos novos modelos para a sua formação profissional, como uma profissão em evolução mundial.
Na França, de onde se inspiraram as primeiras escolas de engenharia do Brasil, há tempos existe um consenso de que a formação do engenheiro vai além das ciências ditas exatas. De acordo com o professor Denis Lemaître, responsável por um Centro de Ciências Humanas dentro da escola ENSIETA, na cidade de Brest, na França, tida como excelência escolar, “o currículo da formação humana é o produto de transações entre os diferentes referenciais instituídos, que são o aluno, o saber, a escola, o docente e as práticas sociais do engenheiro, na empresa, no seio da sociedade ou da humanidade como um todo”. Conforme a orientação e a tradição da instituição, a formação “para além da técnica” pode abarcar “as ciências humanas para engenheiros”.
Por fim, das ações dos engenheiros decorrem repercussões diretas para os seres humanos e para as condições de vida dos biomas da Terra. Daí, pois, a importância da Sociologia para a Engenharia.
É regra universal: todas as Ciências Humanas, Sociais e Exatas são interligadas, intrínseca ou extrinsecamente. São, enfim, interdependentes. Um Engenheiro de Produção, por exemplo, das inúmeras montadoras automobilísticas do mundo inteiro se não tiver um mínimo sequer de noção de Sociologia estará, por certo, fadado ao fracasso profissional.
Escolhi as duas profissões, Medicina e Engenharia, para demonstrar o quanto há de estupidez na promoção pública indecorosa do governo de desdenhar a Filosofia e a Sociologia. Paciência, um verdadeiro desatino!