Crônica - Quando “demônios” passeiam

Crônica - Quando “demônios” passeiam

Civilizatório, como adjetivo que expressa sentimento de pátria e de bem-estar, é o termo capaz de atuar no processo humano para que a sociedade saia do estado primitivo para o urbanizado, desenvolvido ou por se desenvolver, rumo, pois, ao convívio salutar e ao entendimento social.

Como qualquer outro povo, conquistamos nossa igualdade e nossa liberdade pelas leis. Mas, conquistamos mais ainda com os maiores dos sentimentos humanos: paz, harmonia e respeito mútuo.

Assim, reformar como reformaram as garantias constitucionais do Direito do Trabalho brasileiro; reformar como querem reformar a Previdência Social restringindo e eliminando conquistas; retaliar por retaliar o ensino universitário por ideologias, subjugando prestígio internacional-educacional; violar o Estatuto do Desarmamento para armar o povo é, inequivocamente, agredir a cidadania e afrontar o Pacto Civilizatório, como fruto da primeira fonte do direito universal, o Direito Natural.

A impressão que fica é que há uma “compulsão” para quebrar nosso humanismo, incentivada e alimentada por malfeitores e seguidores desejosos pelo extermínio e/ou aniquilamento de quem não comunga com o pensamento deles. Passa-se a impressão de que não sabemos distinguir o "bem" e do "mal", o "certo" do "errado", o “pacificador” do “agressor”, o “salvador” do “matador”,...

De repente, todo mundo é defensor da Reforma da Previdência. Mesmo sabendo que todos terão inúmeras dificuldades para uma aposentadoria digna no futuro. Todos agora desejam portar uma arma de fogo como se o inimigo tivesse à espreita dentro de casa, na sala de trabalho, numa roda de bate-papo, num jantar de noivado,... Uma verdadeira paranóia!

A função primordial e necessária de um governo decente é promover a moralidade, a ordem e a promoção e proteção civilizatória, do qual depende a sobrevivência de qualquer sociedade harmônica. Almejando e perseguindo ideal do bem e não do mal.

Sinceramente, armar o Brasil é assustador! Parece “Revanche de Ressentidos”, “Guerra Fria” de imbecis, “Ação Infame” de apedeutas pela desonra, pelo ultraje, pela torpeza e por pirraça. 

No vaticínio de Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista, a eleição de Jair Bolsonaro, um populista de extrema direita, liberou algo no país: um ressentimento contido há muito por muitos. Todo tipo de recalque emergiu dos “esgotos do inconsciente” e hoje desfila euforicamente pelas ruas, escolas, universidades, repartições públicas, almoços e jantares de família, etc., etc.

Brum sacramenta: “Depois da eleição de Bolsonaro, os demônios interiores saíram para passear”.

Da mitologia para a nossa realidade, o demônio Ardad faz brasileiros(as) se perderem; Agares usa de linguagem chula para destruir dignidades alheias; Astaroth aposta na destruição social; Ose age com insanidade; Pruflas dissemina discórdia, brigas e falsidade, traidor inconfessável de famílias e amigos; Belzebu agita como demônio da gula da alma pela alma; Asmodeus investe com arrogância no caos para humilhar pobres e armar incautos; Verrine é o demônio imprudente e imbecil sem controle da língua; Aka Manah é aquele que é capaz de gerar pensamentos ruins nas nossas mentes, impedindo-nos de praticar bons atos; e, por último, o líder Lúcifer, agindo para tudo o que há de malefício para que a sociedade brasileira encaminhe-se ao confronto de classes... Dez “demônios” que nos infernizam!

Poucos não assumem, mas “Demônio Interior” de cada um é tudo aquilo que nos divide (“dia-bolum”), que alimenta o egocentrismo e que rompe qualquer comunhão com os outros. Hoje, entre nós, força que permanecia oculta, mas que agora ativamente investe para nos conduzir para aonde não queremos ir.

“Em algum momento, no inicio da constituição da comunidade humana, tivemos que fazer um Pacto Civilizatório. Como bem disse Freud, tivemos que recalcar nossos impulsos mais primitivos, perversos e egoístas em nome da convivência coletiva. Então, desde o início, mesmo com todos os equívocos que invariavelmente cometemos na nossa frágil condição humana, temos optado pelo amor, pelos laços que nos unem numa coletividade. Apesar de não sabermos até quando, é assim que nossa espécie tem sobrevivido até então” (Rita Almeida, psicologa/ psicanalista da Rede de Saúde Mental do SUS, conselheira CRP/MG, mestre e doutora em Educação pela UFJF).

Da proposta para armar o Brasil tem-se a impressão de que temos, no momento, uma “legião de demônios”. De todos os matizes e inclinações políticas, ideológicas, filosóficas, sociológicas, psicológicas, econômicas,... De nuances e de tons incompreensíveis, inconfessáveis,... O que fará um cidadão de bem autorizado a adquirir armas e podendo comprar até cinco mil munições por ano? Um verdadeiro arsenal! Honestamente, não será para defesa pessoal e nem para a proteção da família e do lar. A intenção será outra, inquestionavelmente!

Nem a posse e nem o porte de armas vão resolver nosso cruciante problema. Nem tampouco minimizar ou controlar a criminalidade e a violência. Inclusive para enfrentar bandido. Nem amedrontar este, o que é ainda mais preocupante. Uma “chuva” de armas e munições sobre uma população não nos tornará um povo protegido, a salvo do crime.

O sentimento para armar, indubitavelmente, ameaça nosso Pacto Civilizatório. É muito séria a questão! Porque o que se pretende não é a civilidade, mas, sim, a agressividade. A civilidade característica do pacto de não-agressão que não concilia com armas. Armar, além de intranquilizar familiares no recinto do lar, denuncia a falência do sistema público de Segurança, degenerando a proteção social. Projeta, enfim, intencionalmente ou não, incidentes, acidentes e conflitos degradantes, incontroláveis e trágicos para um futuro impensado e indesejado.

Não sei em que proporção haverá uma reação da sociedade brasileira. Qual o limite. Que haverá, haverá! Que será, será! Espero que não seja tarde demais, para que possamos refletir e não permitir que seja institucionalizado oficialmente o convívio com grupos armados, pervertidos depravados e imbecilizados como “Carrascos Voluntários”, com a matança não só de pessoas do bem e do mal, mas, também, de “anjos” por “demônios”.
 

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