Juiz ‘herói’; Juiz ‘injusto’
Juiz ‘herói’; Juiz ‘injusto’
De acordo com o filósofo brasileiro Henry Bugalho, também especialista em Literatura e História, “mantém-se a lição: mortais, com suas efêmeras asas de cera, jamais devem tentar voar tão alto”.
“O herói Super-Moro, quando visto de perto e nos bastidores, revelou-se como todos os demais mortais: pleno de imperfeições e contradições, de interesses próprios, e vaidades que acabou colocando acima do interesse público. Bolsonaro havia dito que havia prometido a Moro uma vaga no Supremo. Moro desdisse e Bolsonaro também voltou atrás. Aparentemente, a toga de ministro do Supremo ora se desfaz nas mãos do herói do Brasil. Voltou à condição de mortal e precipita-se em direção ao solo porque ousou voar alto demais e suas asas eram de cera, derreteram ao se aproximar do Sol”.
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“(...) Os gregos tinham uma palavra-conceito para designar esta falha trágica dos heróis: ὕϐρις (hybris), ou desmedida, que é quando o herói desconhece os seus limites e, por causa de sua arrogância e excesso de confiança, confronta a ordem natural do mundo, desafiando até os deuses às vezes. O conjunto de tragédias gregas está repleto de exemplos de heróis que ultrapassam seus limites e por isso se dão mal no final” – diz o filósofo.
Com suas sentenças e penas mirabolantes, os brasileiros incautos logo se apressaram e “cognominaram” o ex-juiz Sérgio Moro como “herói” do momento, uma espécie de “ungido” que teria sido enviado por “emmanuel” para salvar o Brasil da corrupção.
Franklin Félix, em “Diálogos da Fé”, conta-nos que, “com o vazamento de um dos maiores escândalos do judiciário brasileiro e, talvez, um dos maiores do mundo, envolvendo o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, novamente, alguns espíritas, os mais ortodoxos e conservadores, mal intencionalmente ou por falta de conhecimento mesmo, estão dizendo que Moro, parcial e seletista, é a reencarnação de Emmanuel, mentor espiritual de Chico Xavier”.
Conta-nos ainda que o espírita Divaldo Franco chama o ex-juiz Sérgio Moro de “venerando” – o que é altamente questionável, dadas as críticas de grandes juristas nacionais e internacionais à parcialidade desse juiz e a seus atos de ilegalidade, que feriram a Constituição, e às notícias que correm na mídia de seu conluio com determinados segmentos políticos e partidos.
O jurista Leonardo Issar Yarochewsky, criminalista de escol e professor de Direito Penal da PUC-Minas, diz que “mais que um ser humano, o bom juiz deve ser humano”. E relembra o pensamento do jurista italiano Francesco Carnelutti, na obra “As misérias do Processo Penal”, segundo o qual “para ser juiz um homem deveria ser mais que um homem. Nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar outro homem, aceitaria ser juiz”.
Julgar é muito sério e grave! Gravidade como expressão sinônima de seriedade. O juiz honrado não pode ser “juiz esclepicente” no sentido mais vulgar da criatividade popular, do vocabulário gracejador.
“Não resta dúvida que julgar o semelhante está entre as tarefas mais difíceis, árduas e complexas conferidas a um ser humano, principalmente, se exercida com ética, denodo, responsabilidade, respeito às partes, ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa e, sobretudo, com comprometimento social e com os inalienáveis direitos e valores fundamentais. Se julgar o seu semelhante não é tarefa fácil, quando se trata do juiz criminal a tarefa se torna hercúlea. Como já sentenciou Roberto Lyra (Direito Penal Normativo), “o juiz criminal apaga ou acende a lâmpada do destino, atribui a graça ou a desgraça”.
Na sua obra “Sistema acusatório: a conformidade constitucional das Leis processuais penais”, Geraldo Prado leciona que a posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, “sustenta-se na ideia reitora do princípio do juiz natural – garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição – que consiste na combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõe durante o processo”.
Ainda que tenha suas posições e conotações políticas, religiosas e ideológicas, deve o juiz ser imparcial tanto objetiva como subjetivamente. Lição de Direito nos dita que o juiz deve compreender que o Estado é a parte na relação processual, de que o Estado é o detentor do “jus puniendi” e, portanto, se alguém deve ser “protegido” este alguém é a sociedade. O magistrado que não zela e porta-se como verdadeiro guerreiro na defesa dos direitos e garantias fundamentais de outrem, na defesa da Constituição, não pode julgar; deve ser julgado.
Como se explica o convívio com ladrões da coisa pública, da “cleptocracia” instalada e disseminada nos quatro níveis de poder (federal, estadual, distrital e municipal), com juiz ou juízes optando por uma das partes? Como explicar que possa escolher seus “réus de estimação”? Como justificar?
Depois de várias denúncias contra magistrados brasileiros, criou-se no seio das investigações como forma disfarçada de defesa a figura do “juiz neutro”. Os críticos dizem que isso não existe no Brasil. Neutro seria o juiz que não pende por nenhuma das partes. Mas, aqui terminam pendendo. Que seus sentimentos, suas formações sócio-culturais, formas de vida e todos os fatores externos não devem influenciar em quaisquer decisões. Mas, terminam influenciando. Como elemento da sociedade, o juiz tem suas emoções e seus valores. E que jamais podem contaminar sentimentos comportamentais. Mas, terminando contaminando o processo seja cível ou criminal.
Juiz não pode ter símbolo de herói. É regra no mundo inteiro. Erra a sociedade ao cognominá-lo como tal. Juiz é uma garantia constitucional para todos. Título de herói para juiz é utopia! Não existe universalmente! Todos que assumiram tal carapuça claudicaram. Mais cedo ou mais tarde, caíram do trono. Juiz não deve ser bom e nem ruim. Deve ser justo. Não é vencido e nem vencedor; por isso mesmo não pode ser herói.
Juiz não pode romper o princípio da imparcialidade objetiva e subjetiva para satisfazer o próprio ego. Seria um juiz injusto! O “sacerdote vocacionado” distribui os dons sagrados para os fiéis. E o “juiz vocacionado” o labor justo da magistratura na distribuição de justiça. Tomar decisões que podem envolver a restrição da liberdade de pessoas ou o comprometimento do patrimônio de famílias, exige preparo que vai além dos conhecimentos técnico-jurídicos. É necessário bom senso e, acima de tudo, vocação, sentimento nobre para aquilatar o peso da prolação de uma sentença.