A canonização de Dulce
A canonização de Dulce
Sob a égide do Direito Canônico, a canonização é ato solene que, cumpridas regras e rituais prescritos pela Igreja Católica, o Papa declara alguém falecido para inscrevê-lo(a) no Catálogo dos Santos, concedendo-lhe culto irrestrito na devoção à fé cristã.
O Direito Canônico, em linhas gerais, é o conjunto de normas que regulam a vida na comunidade eclesial. E, segundo os estudos e ensinamentos universitários, está diretamente relacionado ao cotidiano dos católicos do mundo inteiro.
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Para Antônio Rogério Lourencini, pós-graduado em Direito, o Direito Canônico surgiu pela necessidade e com o propósito de organizar e manter a ordem de acordo com os anseios da vida em comunidade e dos preceitos divinos. Segundo ainda o jurista, o direito ocidental moderno foi inspirado no Direito Canônico, pela funcionalidade que este revela para com os fins a que foi criado. Por isso - diz ele -, o Direito Estatal e o Eclesiástico colaboram-se mutuamente, haja vista que muitas das manifestações sociais reveladas no Estado são de interesse religioso e vice versa, como exemplo, a instituição da família.
“O homem tende sempre a viver em sociedade e esta reclama a presença de um direito, que por sua vez gera a instituição do Estado. Dentre os elementos constituintes deste, temos: a) elementos materiais: povo e território, ou seja, a existência de um espaço físico e uma população a ser governada; b) elementos formais: a soberania, que, em um contexto interno, é a autoridade estatal plena dentro de um território e, externamente, pressupõe a independência do Estado em relação a outras sociedades; c) elementos teleológicos: dizem respeito à essência da finalidade estatal, que pode ser definida como o bem comum social” (in Rafael Llano Cifuentes, em “Relações entre a Igreja e o Estado: a Igreja e o Estado à luz do Vaticano II, do Código de Direito Canônico de 1983 e da Constituição Brasileira de 1988”, Rio de Janeiro).
No momento em que o Brasil atravessa crises sociais e econômicos difíceis e sem precedentes, com a miséria e índices de desemprego inaceitáveis, já grassando a fome, a canonização de Irmã Dulce - a primeira Santa brasileira - vem para uma reflexão sobre os valores de solidariedade, de compaixão e de compromisso com os mais pobres.
Como nenhuma outra pessoa no Brasil, Irmã Dulce cumpriu, em vida, fielmente os elementos teleológicos do Direito Canônico, de modo especial o “respeito à essência da finalidade estatal, definida como o bem comum social”.
Com o lema “Tenha Fé” e muito consciente da missão e dos ditames do Direito Canônico, em vida Dulce buscou firmemente enaltecer os Direitos Sociais, que visavam, acima de tudo, garantir às pessoas o exercício e o usufruto dos direitos fundamentais em condições de igualdade, para que os desacolhidos tivessem uma vida digna por meio da proteção e das garantias dadas pelo Estado de Direito.
Ao contrário do que deixou Irmã Dulce como ensinamento, hoje, os Direitos Sociais (máxime dos pobres) não estão totalmente assegurados a todos, apesar de prescritos no Texto Maior Constitucional. Com as propostas de reformas que estamos vivenciando, alguns direitos correm o risco de serem suprimidos ou alterados significativamente, como os relacionados ao Direito Previdenciário e ao Direito do Trabalho, cujas garantias estão em debate e podem ser profundamente alteradas, prejudicando aqueles que Irmã Dulce sempre defendeu em vida, dando uma dos maiores exemplos de solidariedade cristã.
Inapelavelmente, Dulce nos deixou lições! E sua canonização nos remete a profundas reflexões.
A maior das lições foi na busca incessante pela qualidade de vida dos pobres, dos desamparados da sociedade. Suas lições mostram à sociedade atual a compreensão e a diferença entre “direitos individuais” e “direitos sociais”. No primeiro caso, reconhece-se a todos os brasileiros o respeito ao nome, à intimidade, à privacidade, à liberdade, ao domicílio, à correspondência e, mais além, o direito à vida e à qualidade igualitária de se viver. No segundo, busca-se melhorar as condições de vida e de trabalho para todos, alcançando, sobretudo, diferentes áreas de amparo social, como, por exemplo, direitos trabalhistas, seguridade social (direitos à saúde, à previdência e à assistência social), proteção à maternidade, à infância, aos desamparados,...
Para os nossos atuais governantes, três coisas a aprender com Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, a eterna e agora Santa Dulce dos Pobres, uma mulher profundamente crédula e devota da Divina Providência, possuidora de uma fé inabalável, decididamente comprometida com a verdade:
PERSEVERANÇA: De todas as virtudes e qualidades, a perseverança e o compromisso que tinha com a verdade marcaram a trajetória da Irmã Dulce. Ensinou, com seu exemplo, a perseverar naquilo que acreditaava, sem deixar de lado a esperança e a prudência.
AMOR AO PRÓXIMO: Dulce enxergava no outro o próprio Cristo. Não necessariamente aquele mais necessitado do ponto de vista material, mas até na pobreza espiritual extrema. Possuía a capacidade de ter profunda tolerância ao que era diferente, um profundo respeito.
PRINCÍPIOS: Um terceiro aspecto a aprender é que Irmã Dulce nunca abria mão dos seus princípios. Estava disposta, inclusive, a radicalizar. Ela foi um ser que sempre procurou inspiração em Cristo e em Maria, sendo profundamente fiel aos seus objetivos. Por isso sofreu, foi injustiçada, tomou cusparadas, portas batidas na cara, foi expulsa e sofreu violência física.