Tragédia Social de Bolsonaro

Tragédia Social de Bolsonaro

"O Estado, entre nós, não precisa e não deve ser despótico. O despotismo condiz mal com a doçura de nosso gênio. Mas, necessita de pujança e compostura, de grandeza e solicitude, ao mesmo tempo, se quiser adquirir alguma força e também esta respeitabilidade que os nossos pais ibéricos nos ensinaram a considerar a virtude suprema entre todas. Ele ainda pode conquistar por esse meio uma força verdadeiramente assombrosa em todos os departamentos da vida nacional. Mas, é indispensável que as peças de seu mecanismo funcionem com harmonia e garbo" (Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, 21ª ed., Rio de Janeiro, pag. 131).

Segundo o ministro da Economia Paulo Guedes, o Brasil tem aproximadamente 300 carreiras no serviço público. O ministro de Bolsonaro pretende reduzi-las para aproximadamente 30. Nestas incluindo-se as carreiras tipicamente de Estado, todas como atividade-fim. 

A reforma do Estado brasileiro pretendida por Guedes não é nova e, com as devidas proporções, remonta à época do governo Fernando Henrique Cardoso, uma espécie de resposta ao processo de globalização que, hoje, levou o Chile à bancarrota. Como vimos agora na convulsão social daquele país, mostrando um quadro social desalentador para as classes média e baixa, que viram degringolar sua posição social na conjuntura sócio-político-econômica local.

O atual governo brasileiro pretende (veremos isso em um futuro bem próximo) compor, a exemplo de FHC, um novo Núcleo Estratégico do Estado, fortalecendo as carreiras que possuem atribuições indelegáveis, tais como as que desempenham atividades de fiscalização, arrecadação tributária, previdenciária e do trabalho, controle interno, segurança pública, diplomacia, defesa administrativo-judicial do Estado e defensoria pública. Como semente do governo FHC, as Carreiras Típicas de Estado são cinco e o atual governo pretende manter: advocacia, diplomacia, políticas públicas, polícia e fiscalização. Como no projeto de FHC, o projeto de Guedes explicita a extensão e o doravante papel a ser desempenhado pelo Estado na sociedade brasileira, outorgando uma dimensão "mínima" ao próprio Estado como indutor de transformações sociais.

Como serão extintas aproximadamente 270 carreiras, as consequências do projeto de Guedes serão gravíssimas e desastrosas para a nossa sociedade. A tendência é que sem carreira específica para determinada área social não haverá mais uma formação profissional para a atividade-meio. Não haverá mais interesse do governo. E haverá, por conseguinte, um desinteresse das faculdades para formar o jovem que não esteja inserido e vocacionado para carreiras com atividade-fim, ou seja, para uma formação universitária para aquelas carreiras de Estado.

Não muito distante, nosso jovem que não se formar ou se formou para uma carreira com atividade-fim terá um futuro incerto. No mínimo duvidoso. Ou seja, a pessoa formada para atividade-meio não poderá construir seu futuro profissional dentro daquelas perspectivas almejadas pelos estudos acadêmicos, um investimento que somente tem retorno quando a pessoa alcança ascensão social.

Em verdade, salvo melhor juízo, o projeto de Paulo Guedes retrocede ao regime militar existente na vigência da Emenda Constitucional de 1969. Uma verdadeira Constituição imposta pela ditadura dos generais Cuja ideia acabou se disseminando e se consolidando como “reformista” no desavisado Chile do general-ditador Pinochet, projeto que teve o aval de Guedes no famigerado plano enganador dos “chicagos-boys”, levando a sociedade chilena a uma crise social sem precedentes na América Latina.

No Brasil, a impressão que se tem é que não temos mais homens, mulheres e autoridades constituídas com estatura moral e intelectual para combater uma “tragédia social anunciada” com requintes de maldade para proteger afortunados. E com as mesmas características e à semelhança da sociedade chilena. 

Contaminada pelo ódio, pelo preconceito e pela discriminação, nossa sociedade não percebe o risco iminente a caminho do caos social com o mesmo projeto chileno chancelado por Guedes. No mundo, após a grande repercussão da convulsão social no Chile, milhões de pessoas e de autoridades públicas já discutem e querem de volta o socialismo compartilhado, justamente para não enfrentar no futuro uma “tragédia social anunciada” com características de guerra civil provocada pelo capitalismo neoliberal.

No Brasil, o primeiro passo começa a ser dado para o drama social. A extinção de carreiras profissionais pelo projeto Paulo Guedes indica perfeitamente a dimensão do caos que se avizinha. No Chile foi assim. E não será diferente em qualquer país do mundo. No entanto, estamos anestesiados. O ódio não nos deixa pensar nas graves consequências futuras.

Ufa! Veja, em síntese, como a “tragédia social” no Chile se amolda à futura que ocorrerá no Brasil:

1.    A palavra "desigualdade" ganhou protagonismo no Chile em virtude da diferença social entre pobres e ricos;

2.    Uma parcela de 1% mais rica da população chilena mantém somente 26,5% da riqueza, enquanto 50% das famílias de baixa renda representa apenas 2,1%;
3.    O salário mínimo no Chile é de 301 mil pesos (cerca de R$ 1.715,70 — no Brasil, de R$ 998);

4.    Metade dos trabalhadores do Chile recebe um salário igual ou inferior a 400 mil pesos (R$ 2.280) ao mês; no Brasil, comparativamente, 60% dos trabalhadores (ou 54 milhões de pessoas) tiveram um rendimento médio mensal de apenas R$ 928;

5.    O Chile discute há muitos anos uma reforma do sistema privatizado de previdência, que, para muitos, apresenta deficiências significativas; o Brasil pretende implantar o mesmo sistema que não deu certo lá, com prejuízos significativos para as classes média e baixa;

6.    A classe média no Chile é precária, com baixas pensões, altos níveis de dívida e que vive muito de crédito e salários muito baixos. Uma situação cheia de incertezas; o Brasil já começou a implantar o mesmo sistema que não deu certo lá, com filas e filas de pessoas procurando empregos, cortando inclusive benefícios e mandando os pobres para as ruas como pedintes;

7.    Todas as reformas educacionais, constitucionais, tributárias e de saúde implantadas no Chile falharam; o Brasil caminha para a mesma situação;

8.    No Chile, as pessoas perceberam que o governo não oferece esperança de tempos melhores. Pelo contrário, percebem que o momento é pior; no Brasil, o mesmo sentimento começa a rondar na sociedade.
 

Comente

Pequisar