Prisão em 2ª Instância – Saída Jurídica

Prisão em 2ª Instância – Saída Jurídica

Há uma confusão generalizada entre culpabilidade e prisão. E mais acentuada ainda quando a questão deriva para a prisão após condenação em Segunda Instância. A cláusula pétrea da presunção da inocência, consignada na disposição legal de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, é constantemente deturpada, deixando o catecúmeno sem entender nada.

Modestamente, entendo que a saída jurídica não está na alteração e/ou supressão da respectiva cláusula pétrea. Nem tampouco na alteração e/ou supressão ao art. 283, do Código de Processo Penal (CPP). Muito menos modificar-se as redações dos arts. 102 e 105, da Constituição Federal, que tratam especificamente das competências recursais das Instâncias Superiores.

Penso que a saída estará restrita às modificações dos arts. 637 e 638, do CPP, que têm as seguintes redações:

Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.

Art. 638.  O recurso extraordinário será processado e julgado no Supremo Tribunal Federal na forma estabelecida pelo respectivo regimento interno.

Assim, a título de sugestão, através de um projeto de lei as redações dos referidos dispositivos processuais penais passariam a ter as seguintes redações:

Art. 637. Os recursos especial e extraordinário não terão efeito suspensivo, devendo o réu condenado recolher-se à prisão quando se tratar de crime punível com pena de reclusão igual ou superior a três anos, cabendo aos presidentes dos tribunais a decretação da prisão.

Parágrafo Único - Uma vez arrazoados os respectivos recursos e formalizados seus traslados, os originais da respectiva ação penal baixarão à primeira instância para execução provisória da pena.

Art. 638.  Os recursos especial e extraordinário serão processados e julgados no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, respectivamente, na forma estabelecida pelos respectivos regimentos internos.

Parágrafo Único - Nos casos em que o réu é absolvido em primeira e condenado em segunda instância, os recursos especial e extraordinário serão recebidos no efeito suspensivo.

As alterações, “data máxima vênia”, atendem, salvo melhor juízo, o anseio da efetividade da prisão em Segunda Instância sem ofender a garantia constitucional da coisa julgada e tampouco a cláusula pétrea da presunção da inocência, sem a necessidade, portanto, de discussão e aprovação de Emenda Constitucional via Congresso Nacional, que demanda controvérsias que podem esbarrar na Suprema Corte.

Com as alterações, a discussão sobre a culpabilidade do réu condenado continuará preservada para a apreciação nos tribunais superiores até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, assegurando-lhe os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Com as modificações, evidentemente, a prisão e a culpabilidade ficam salvaguardadas e equidistantes quando tratar-se de réu condenado em primeira e em segunda instância – excluindo-se da hipótese a situação de réu absolvido em primeira e condenado em segunda instância, que tem outro critério processual para reexame da questão na terceira instância.

Argumentos

A tese tem argumentos jurídicos convincentes de que se a condenação ocorreu exclusivamente no plano fático, ou seja, no exame profundo e não perfunctório das provas de mérito da ação penal sobre o crime e da respectiva autoria, é perfeitamente sustentável e tolerável para a hipótese de prisão em Segunda Instância – desde que, repita-se, o réu tenha sido condenado também em Primeira Instância. Isso porque, na hipótese, não se pode mais discutir em recurso especial ou extraordinário a autoria e a materialidade do crime, pertinentes ao mérito da ação penal.

Partindo-se do plano de que o princípio ou a garantia da presunção da inocência não é absoluto, mas relativo, comportando, inclusive, interpretações variadas e contraditórias, não unânimes, diga-se de passagem, tendo ainda a coisa julgada um conceito aberto, a questão é meramente de ordem formal, dizendo respeito aos efeitos devolutivo ou suspensivo no recebimento e na admissibilidade de recursos dirigidos às Cortes Superiores, não se tratando, portanto, de execução antecipada da pena condenatória.

É aceitável, portanto, que sempre que se esgotar a discussão quanto à materialidade do delito e de sua autoria, caberá, por fim, a prisão do réu. Não é, pois, um julgamento antecipado de culpabilidade. Mas - ainda que argumentativamente -, de garantia da ordem pública, de conveniência processual e para assegurar a aplicação da lei penal no tempo e no espaço, resguardando-se, inclusive, da prescrição, quando houver prova de fato da existência do crime e de indício suficiente de autoria, como bem define o art. 312, do CPP, que estatui os requisitos da prisão preventiva, aplicáveis à hipótese supletivamente e em atenção aos princípios gerais do direito.

A prisão em si, seja ela processual ou por condenação, tem dois pressupostos: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. O “periculum in mora”, o “periculum libertatis” e o “fumus comissi delicti”, ou seja, o perigo da demora, o perigo da liberdade e para a fumaça do comissivo direito penal, aliados à certeza da prática da infração e da respectiva autoria, são justificadores tanto para a prisão processual como para a prisão por condenação, sem afetar, claro, a culpabilidade (‘lato sensu’) até o trânsito em julgado. Isso porque os indícios se esvaem, evaporam-se, quando há julgamento condenatório em primeira e confirmação em segunda instância, quando a apreciação das provas foi esgotada. Configurada a hipótese, a liberdade do criminoso causa, sim, prejuízo à segurança e à dignidade social de outrem vitimizado(a) e, por amplitude, à sociedade em geral.

Hodiernamente, adota-se como regra geral aos efeitos dos recursos no processual penal o princípio do duplo grau de jurisdição. No entanto, a Constituição não se reporta explicitamente a esse duplo grau de jurisdição para o processual penal brasileiro. Trata-se apenas de uma questão implícita garantidora, mas sem caráter absoluto e imutável, cabendo à lei processual definir explicitamente quais recursos terão efeito devolutivo ou suspensivo.

 “(...) Assim, nos processos de competência originária dos tribunais, não há rigorosamente duplo grau de jurisdição, ainda que seus regimentos prevejam recursos para o próprio tribunal, seja porque não admitem apelação ou recurso ordinário, seja porque o recurso extraordinário (CF, 102, III) para o STF e o especial (CF, art. 105, III) para o STJ não se prestam a discutir matéria de fato. Tampouco existe duplo grau de jurisdição nas ações penais de competência originária dos tribunais. Duplo grau de jurisdição não se confunde, portanto, com recorribilidade, porque, assim como é possível recurso sem duplo grau de jurisdição (v.g., recurso especial e extraordinário), é possível duplo grau de jurisdição sem recurso (v.g., remessa de ofício)” (Paulo de Souza Queiroz, Doutor em Direito (PUC/SP), Professor da UnB (Universidade de Brasília) e Membro do Ministério Público Federal, autor de diversos livros e artigos).

O efeito devolutivo, como professam Darlan Barroso, Valdemar Pereira da Luz e Gustavo Badaró, é o efeito que um recurso provoca, quando de sua interposição perante um órgão jurisdicional que estava cuidando da demanda, ao fazer com que a mesma matéria seja reapreciada.  Diz-se que é a exteriorização do princípio do duplo grau de jurisdição, pelo qual a parte faz devolver o caso para ser reanalisado pelo mesmo juízo ou por outro de instância superior. No entanto, digo eu, o efeito devolutivo não obsta o prosseguimento da execução penal, ou seja, o processo-crime tende a continuar correndo e sendo manejado para efeito da execução provisória da pena imposta ao réu, sem afetar-lhe a garantia da presunção da inocência.

Argumentando, exemplificativamente, a Súmula 713, do STF, trás uma hipótese bem delineada do efeito devolutivo para recursos contra decisões do Tribunal do Júri, que se ajusta à hipótese, ‘in verbis’: “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição”.

Segundo o entendimento da Suprema Corte, o cabimento e o provimento do recurso de apelação nos casos delineados estão imbricados com a ocorrência de uma das hipóteses fáticas na norma processual penal. Assim, como a apelação contra sentença proferida pelo Tribunal do Júri tem natureza restrita, não se devolve à superior instância o conhecimento integral da causa criminal, significando dizer que o conhecimento do Tribunal estadual fica circunscrito aos motivos invocados na interposição.

Em sentido amplo, o efeito devolutivo é comum a todos os recursos. Em todos eles há transferência do conhecimento da questão penal, tanto à instância superior como, eventualmente, à própria instância que proferiu a decisão – como no caso dos embargos de declaração.

Em sentido estrito, o efeito devolutivo só existe nos recursos em que se reexamina o mérito, como na Apelação e na Revisão Criminal, e não nos demais, em que podem ser examinadas apenas questões de índole processual, como, por exemplo, nulidades processuais, competência, prescrição, decadência, perempção, fixação da pena, etc., etc. Enfim, questão puramente de direito e de ordem pública.

Portanto, salvo melhor compreensão, não há inconstitucionalidade em se adotar para os recursos contra condenações em Segunda Instância uma reforma que institua o efeito meramente devolutivo, impondo-se, desde logo, a execução provisória da pena. Seja para o STJ, via recurso especial, seja para o STF, via recurso extraordinário. Prevalecendo absolutamente intocáveis a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, princípios assegurados aos réus constitucionalmente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Comente

Pequisar