Garantia da Lei e da Ordem

Garantia da Lei e da Ordem

No ordenamento jurídico constitucional brasileiro, Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é uma operação militar realizada exclusivamente por ordem do presidente da República, da qual decorre a autorização para o uso das Forças Armadas nos casos em que há esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em situações graves de perturbação da ordem. A operação pode ser também usada em grandes proporções como, por exemplo, a visita do Papa e realizações esportivas como a Copa do Mundo, onde há números excepcionais de nacionalidades.

A GLO confere e concede provisoriamente aos militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) a condição de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade em quaisquer dos estados da federação e no Distrito Federal. 

Regulada pela Constituição Federal, em seu art. 142. Pela Lei Complementar n. 97/1999. E pelo Decreto n. 3897/2001, a GLO permite às Forças Armadas agir de forma episódica em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições. A decisão sobre o emprego excepcional das tropas é feita pela Presidência da República, por motivação ou não dos governadores ou dos presidentes dos demais Poderes constituídos.

De conformidade com o Decreto n. 5.484/2006, os objetivos nacionais de defesa são: garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; contribuir para a preservação da coesão e da unidade nacionais; contribuir para a estabilidade regional; contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais; manter as Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; e desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional.

Observem que todos os objetivos delineados pela legislação são de ordem pública. Excluídos, portanto, aqueles de interesse estritamente privado, como, por exemplo, auxiliar como forma de garantir o cumprimento da lei e da ordem em casos judiciais de reintegração, de manutenção e de reivindicação de posse entre proprietário particular e invasores. Como regra geral, desocupação de terras não é objetivo da GLO. Seja ela da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de particulares.

A Constituição não permite, por exemplo, que seja atribuído ao presidente da República autorização para retomada de propriedade particular por invasão motivada por esbulho ou turbação de posse. São casos de interesse privado e não de interesse público. A exceção à regra ocorre somente quando se esgotarem os recursos de segurança pública nos estados, devidamente justificados pelo Poder Judiciário detentor da ordem para manter o cumprimento de suas decisões.

Por força da Constituição, não pode o Congresso Nacional conferir ao presidente da República poderes ilimitados e “ad eternum” para determinar GLOs na proteção e/ou na defesa de interesses estritamente particulares. Excepcionalmente, poderá haver um caso ou outro em que refoge da autoridade estadual quanto ao controle da ordem em situações de grandes proporções. Nestes casos, justificadamente, podem ser requisitadas a investidura federal, ainda que estejam em jogo interesses particulares, os quais, pela relevância e magnitude, podem transpor-se juridicamente como de ordem pública.

Em verdade, GLO se trata de uma intervenção federal. E não pode ser utilizada “lato sensu”, genericamente, em favor do patrimônio particular. Senão estaríamos diante um golpe. O golpe da ruptura da ordem institucional. E uma agressão ao Estado de Direito, com implantação de um estado de exceção. Conceder ao governante poder quase que ilimitado para determinar operação de Garantia da Lei e da Ordem – até para interesses particulares – é subverter a supremacia constitucional e desvirtuar o princípio do interesse público.

Em síntese apertada, pode-se concluir que a subordinação constitucional das Forças Armadas aos poderes constituídos não permite mais o seu emprego como mecanismo de solução política, com afronta aos alicerces do Estado Democrático de Direito – como foi no passado ditatorial. Hoje, mais do que nunca, as democracias têm como característica a subordinação dos militares ao poder civil e democrático.

A legislação brasileira possui normas específicas que permitem o emprego das Forças Armadas, de modo especial o Exército, na garantia da lei e da ordem, para estabelecer mecanismos democráticos de controle de acordo com a gravidade da situação que possa afetar a ordem pública e a paz social, generalizadamente.

Em suma, a Garantia da Lei e da Ordem ocorre quando os recursos das forças de segurança pública não são mais capazes de oferecer segurança social em situações graves de perturbação institucional. De acordo com a lei, deve ser utilizada quando estiverem esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, para permitir o uso da força caso seja necessário. Essa operação somente é permitida quando agentes externos de perturbação da ordem colocam em risco a integridade da população e o funcionamento das instituições.

GLO não pode, por lei, transformar-se em “licença para matar”. Justificar pela GLO que, ao presumir injusta, atual e iminente agressão, militares das Forças Armadas e das Forças Públicas possam atirar para matar civis em situações de manifestações contrárias no contexto social, é uma gravíssima ofensa à Constituição e aos fundamentos da República, como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, desnaturando os nossos objetivos, que é de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O procurador federal, mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos pela American University – Washington College of Law, Sérgio de Oliveira Netto, diz que, no Estado de Democrático de Direito não existem direitos absolutos. A todo direito corresponde uma obrigação. Não se pode cogitar da existência apenas de franquias constitucionais, supostamente ilimitadas. Estas garantias pressupõem, irretorquivelmente, a respectiva obrigação de uso moderado e o respeito às equivalentes franquias (de igual estatura constitucional) de terceiros.

Para arrematar, da antiga Roma colhemos a célebre e imortalizada frase de Cícero: “Summum Jus, Summa Injuria” (a justiça exagerada se transforma em injustiça). De Carlos Maximiliano, político, jurista e magistrado brasileiro, autor da consagrada obra Hermenêutica e Aplicação do Direito, absorve-se o sublime ensinamento: “...do exagero do Direito resulta a suprema injustiça...” Na lógica concepção do jurista italiano Guido Zanobini, “...tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado...”.

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