Coisa Julgada

Coisa Julgada

A polêmica da prisão após condenação penal em Segunda Instância tem levado muita gente a cometer verdadeiras “heresias jurídicas” tanto no parlamento brasileiro como fora dele, sobretudo na imprensa e nas redes sociais.

A definição de Coisa Julgada é simples: “é a qualidade conferida à sentença judicial contra a qual não cabe mais recurso, tornando-a imutável e indiscutível”. O instituto tem por objetivo a pacificação social e, por consequência, a certeza do final do processo.

Estão fazendo uma verdadeira confusão entre Condenação, Prisão e Coisa Julgada. Pretende-se que logo após a condenação em Segunda Instância seja possível declarar-se uma espécie de “coisa julgada” para fins de execução provisória da pena imposta ao réu. Diria até mesmo uma espécie de “meia coisa julgada”.

Não há interpretação “stricto sensu” do instituto da Coisa Julgada, ou seja, apenas em relação ao aspecto processual penal. Ao contrário, na interpretação “lato sensu” temos também as questões do âmbito do processo civil. Então, quando se tratar de Coisa Julgada a análise deve ser a mais ampla possível. Não se admite para fins processuais penais um tipo de coisa julgada e para os fins civis outro tipo.

No atual debate sobre a prisão do réu por condenação penal em Segunda Instância, quer-se pretender no Congresso Nacional impor um limite impróprio à Coisa Julgada na sua amplitude dentro do Direito Processual Penal.
 
Qualquer jurista ciente e consciente sabe que a regra geral - decorrente das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa - é de que a Coisa Julgada somente vincula as partes. Porque ninguém pode perder um direito em decorrência de um processo judicial em que não teve ampla oportunidade de se defender, inclusive para propor os recursos processuais postos à sua disposição pelo Direito Constitucional.

Qualquer análise sobre o referido instituto obriga o intérprete a incorrer sobre o que disciplina o Código de Processo Civil. O novo e vigente diploma processual civil brasileiro disciplina quatro espécies de Coisa Julgada, a saber:

a)    Coisa Julgada Material (artigo 502, do CPC);
b)    Coisa Julgada Formal (artigo 486, parágrafo 1º, do CPC);
c)    Coisa Julgada Sobre Questão Prejudicial (artigo 503, parágrafos 1º e 2º, do CPC);
d)    Coisa Julgada Sobre Tutela Antecipada Antecedente (artigo 304, parágrafo 5º, do CPC).

Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, pós-doutorando em Direito na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), doutor e mestre em Processo Civil pela PUC-SP e especialista em Processo pela Universidade de São Paulo (USP), coleciona e conceitua doutrinariamente os tipos de coisa julgada:

Coisa Julgada Material – quando o conteúdo de mérito da decisão judicial se torna imutável e indiscutível.

Coisa Julgada Formal – aquela que se identifica pelo fato do conteúdo da decisão judicial tornar-se imutável e indiscutível relativamente aos pressupostos processuais e/ou às condições da ação.

Coisa Julgada Sobre Questão Prejudicial - esse tipo de questão se caracteriza pelo fato de seu julgamento, que precede logicamente a decisão da questão principal, influir necessariamente no conteúdo desta.

Coisa Julgada Sobre Tutela Antecipada Antecedente - a última e talvez mais controversa espécie de coisa julgada diga respeito às decisões que concedem a tutela antecipada antecedente e não são impugnadas pelo recurso de agravo de instrumento. Essas decisões continuam produzindo efeito, mesmo após a extinção do processo. Esse fenômeno se chama estabilização da tutela antecipada antecedente (artigo 304, caput e parágrafo 1º do CPC).

Observe que a questão de se limitar os efeitos da Coisa Julgada no Processo Penal para recursos judiciais após condenação penal em Segunda Instância é matéria de complexo e difícil desate.

O § 3º, do art. 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, diz que “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão de que não caiba recurso”. E de que toda lei nova, seja ela processual penal ou processual civil, tem por obrigação respeitar o “ato jurídico perfeito”, “o direito adquirido” e a “coisa julgada” (caput, do art. 6º).

Tanto no Processual Civil como no Processual Penal brasileiro as partes têm o dever de respeito mútuo. E, por certo, de serem respeitadas quando do momento da sentença, seja ela condenatória ou não. Chama-se a isso de “paridade de armas”, a igualdade de armas necessárias para o bom combate, possibilitando e oportunizando para que alguém possa obter uma decisão justa do órgão jurisdicional.

A discussão no Congresso Nacional entra no campo da hipótese de se aprovar uma emenda constitucional ou uma lei ordinária para criar uma espécie de “Coisa Julgada Relativa” – que se esgotaria na Segunda Instância somente para condenações penais.  “(...) Relativizar o instituto da coisa julgada é algo de extrema complexidade, pois traz em seu cerne o confronto a um dos mais céleres princípios de direito, a segurança jurídica, o qual, por si só, igualmente, vem a contribuir para o enraizamento de diretrizes democráticas em nosso Estado, assim como, a promoção de valores diversos, tais como a vida, a dignidade e a própria confiança no sistema processual. Portanto, para que tal instituto seja relativizado, se faz de extrema necessidade que se tenha em questão um valor mor (veja-se: não qualquer valor ou princípio, mas um reconhecidamente basilar, fundamento de nosso Estado, de um Estado de Direito), que deva, em dado momento, se sobrepor a própria noção (e a segurança) de definitividade das decisões judiciais (...)” (Ovídio Baptista, Coisa Julgada Relativa In DIDIER JR. F.(org.). Relativização da Coisa Julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004, e Aury Lopes Jr., Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, 3ª ed, vol. 1, Lumen Juris , RJ, 2008; p.9).

Não podemos limitar a abrangência jurídico-constitucional da Coisa Julgada e da Presunção da Inocência para buscar a punição antecipada de uma condenação penal em Segunda Instância. Caminha-se, na hipótese, para uma inconstitucionalidade flagrante. Temos é que limitar os efeitos dos recursos interpostos à Superior Instância contra condenações em Segunda Instância.

Já me posicionei aqui neste espaço sobre o tema: “(...) Modestamente, entendo que a saída jurídica não está na alteração e/ou supressão da respectiva cláusula pétrea. Nem tampouco na alteração e/ou supressão ao art. 283, do Código de Processo Penal (CPP). Muito menos modificar-se as redações dos arts. 102 e 105, da Constituição Federal, que tratam especificamente das competências recursais das Instâncias Superiores. Penso que a saída estará restrita às modificações dos arts. 637 e 638, do CPP,(...) Portanto, salvo melhor compreensão, não há inconstitucionalidade em se adotar para os recursos contra condenações em Segunda Instância uma reforma que institua o efeito meramente devolutivo, impondo-se, desde logo, a execução provisória da pena. Seja para o STJ, via recurso especial, seja para o STF, via recurso extraordinário. Prevalecendo absolutamente intocáveis a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, princípios assegurados aos réus constitucionalmente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Assim, com as alterações aos arts. 637 e 638, do Código do Processo Penal, estariam distinguidas perfeitamente a Condenação, a Prisão e a Coisa Julgada. Uma decorrente da pena imposta na sentença; a outra, subsequente ao julgamento em Segunda Instância que confirmou a sentença condenatória; e, por último, o trânsito em julgado quando esgotados os recursos recebidos no efeito devolutivo admissíveis sobre questões unicamente de direito para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal. Admissibilidade sob o crivo do tribunal de apelação.
 

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