A lei e o vício de linguagem
A lei e o vício de linguagem
Muito embora a instituição do “Juiz das Garantias” tenha sido objeto de discussão em 2018 pela Comissão de Juristas liderada por Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a inclusão na lei decorreu de proposta apresentada pela deputada federal Margarete Coelho em parceria com o também deputado federal Paulo Pimenta. Além de propor, a piauiense Margarete Coelho coordenou o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados responsável por formular o texto que adaptou a proposta à lei.
Permitam-me dizer - e ao mesmo tempo pedindo escusas antecipadas – que na discussão sobre o inovador instituto jurídico comete-se um erro gramatical grave. Aliás, um vício de linguagem inconcebível. Não se trata de “Juiz de Garantias”, mas de “Juiz das Garantias”. É assim que define a lei como nomenclatura jurídica do instituto. O juiz foi criado para conceder “garantias constitucionais e legais”. Por isso mesmo, “Juiz das Garantias”. Ao contrário, “Juiz de Garantias” seria um juiz criado com garantias. O que seria um erro grave do legislador. Portanto, há uma diferença fundamental. E que os nossos parlamentares e juristas, por exemplo, cometam o erro em público, deseducando a nossa população. Máxime os universitários!
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Sobre o “Juiz das Garantias”, diz o ministro Alexandre de Moraes, haverá, como em vários países, uma divisão de competências entre juízes. Um atuará durante a fase de investigação e outro, durante o processo e julgamento. E ambos serão juízes independentes e com todas as garantias da magistratura.
“Desde meus tempos como promotor de Justiça, sempre repeti que o sistema penal brasileiro prende muito, mas prende mal. Porque, tradicionalmente, a mesma estrutura policial e judicial é compartilhada de forma idêntica para, por exemplo, processos de roubo a mão armada com fuzil e tentativa de furto simples de objeto de pequeno valor. (...) Logicamente, haverá necessidade de uma reestruturação organizacional do Judiciário. Mas isso não só é possível, como muito menos problemático do que alguns apontam. Tome-se o exemplo da maior comarca do Brasil, o município de São Paulo, onde algo extremamente semelhante ao ‘juiz de garantia’ existe há 40 anos.” – disse o ministro.
Como correta, a nomenclatura “Juiz das Garantias” vem expressa na própria Lei Federal n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal brasileira, introduzindo no novo Código de Processo Penal (CPP) a figura do “Juiz das Garantias”, responsável pelo controle da legalidade da investigação e pela salvaguarda dos direitos fundamentais.
Infelizmente, até o ministro do Supremo Tribunal comete o vício de linguagem. O juiz não é de lei, ministro! O juiz é da lei e para a lei! Por isso, o “Juiz das Garantias”, ministro!
No Brasil, ao passo em que se sucedem, os vícios de linguagem jurídica são sempre toleráveis. Veja dois exemplos clássicos desses vícios: “Código de Processo Penal”; “Código de Processo Civil”. As nomenclaturas corretas são: “Código do Processo Penal”; “Código do Processo Civil”. Por que? Porque as leis são feitas para o processo e não de processo. Assim como os códigos são promulgados para o processo e não de processo; para conduzir o processo. Os erros são pronunciados até em julgamentos do Supremo Tribunal Federal.
Saibam, antes de tudo, que nomenclatura é a terminologia adotada por determinada ciência. No caso do Direito, a “nomenclatura jurídica”. Em síntese, é o conjunto de termos peculiares a uma arte ou ciência, seu vocabulário próprio, sua forma de descrever fatos e objetos do mundo analítico e científico, emergindo daí os códigos.
Como bem adverte R. Carlyle, Juiz de Direito com uma biografia extensa, uma das autoridades mais prestigiadas no Judiciário brasileiro por sua linguagem escorreita, “na Ciência Jurídica a nomenclatura é o “nomen júris”. Sendo científica, a linguagem jurídica é precisa, objetiva, denotativa, referencial e autoritária. (...) O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, a nomenclatura que, no dizer de Miguel Reale, é uma linguagem científica, para que o excesso de palavras plurissignificativas não dificulte a representação simbólica da linguagem. (...) Se toda ciência tem uma linguagem própria, um conjunto de termos para designar seu objeto, um código comunicativo, eliminar a nomenclatura jurídica seria como extinguir do mundo das ciências o Direito como disciplina científica”.