Judicialização e Ativismo Judicial
Judicialização e Ativismo Judicial
Muitos confundem judicialização com ativismo judicial. Embora sutil, há uma diferença. Para Luis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), “judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo — em cujo âmbito se encontra o presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro”.
Sintetizando, para o pós-graduado Victor Almeida “a judicialização nada mais expressa que o acesso ao judiciário é permitido a todos, contra qualquer tipo de lesão ou ameaça a um direito. É fenômeno que decorre do nosso modelo de Estado e de Direito”.
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Questão distinta é o ativismo judicial. Que, também sem síntese, denuncia uma “intromissão” (entre aspas, claro!) indevida do Judiciário nas funções do Poder Legislativo. Para o ex-juiz Luiz Flávio Gomes, ocorre ativismo judicial quando o juiz "cria" uma norma nova, usurpando a tarefa do legislador, inventando uma norma não contemplada nem na lei, nem dos tratados e nem na Constituição.
Os tratadistas e doutrinadores apresentam duas espécies de ativismo judicial: o inovador, criação de algo novo pelo Judiciário; o revelador, que consiste na gestação de uma norma ou de um direito a partir de valores e de princípios constitucionais ou a partir de uma lacuna da lei. Em suma, tanto no inovador como no revelador o Judiciário cria uma norma complementar a um entendimento de um princípio ou de um valor constitucional para suprir as lacunas da lei.
“A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. (...) Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva”, diz o ministro Barroso.
Conceitual e doutrinariamente, como vimos, há uma diferença que às vezes passa imperceptível à visão do leigo ou até mesmo à vigilância jurídica do intercessor do Direito, gerando polêmicas e avaliações jurídicas incompreensíveis.
Na conjuntura atual, oportuno enfatizar a “judicialização da política” é, hoje, um fenômeno mundial. Nossa Constituição Federal, por exemplo, para implantar no nosso arcabouço jurídico um sistema de freios e contrapesos, assentou-se nas teses propostas por Montesquieu em “O Espírito das Leis”, considerada a obra prima da divisão política moderna dos três poderes. O “Espírito das Leis” representa ainda hoje uma nova abordagem a respeito da necessidade de equilíbrio político que influenciou não apenas a realidade imediata da França, mas também as futuras sociedades democráticas. A obra ainda é bastante relevante para o entendimento das possíveis limitações de um governo republicano, sobretudo em democracias que buscam fortalecimento.
No Brasil, nos últimos anos, a judicialização e o ativismo judicial ocuparam todas as pautas políticas e jurídicas. O STF, então, foi a instituição mais insultada durante todo esse tempo. Porque a Corte tem sempre figurado como protagonista maior em temas sensíveis à sociedade brasileira, tais como saúde, educação, habitação, meio ambiente, corrupção (mensalão e lava-jato), etc., etc.
Sabemos que o tema da “judicialização da política” é amplo e controvertido tanto entre doutrinadores do Direito como no âmbito da Ciência Política. Também não é diferente o tema ativismo judicial, cujas essências de ambos não se confundem, mas têm entre si uma relação umbilical, como nos ensina o magistério do procurador baiano Gustavo Hasselmann.
É preciso compreender que só há ativismo judicial porque o Poder Legislativo se omite no enfrentamento de questões relevantes da sociedade. Como diz o ministro Luiz Fux, do STF, há questões que o Judiciário não tem capacidade institucional para solucionar, porquanto fora do âmbito jurídico. Mas, mesmo assim, é obrigado a decidir porque a população exige uma solução.
Na sugestão de João Paulo Jacob, mestre em Direito Constitucional pela USP, o ativismo judicial é uma atividade judiciária maior decorrente de um Parlamento desacreditado pela população e pelo fato desse mesmo Parlamento se omitir das grandes questões nacionais. Com isso a Justiça fica cada vez mais demandada, não podendo se eximir quando acionada. Tem de dar respostas constitucionais para questões jurídicas para as quais é provocada. Para o jurista, as pessoas não se sentem mais representadas e assim veem no Judiciário como “último bastião”.
O tema é vasto e de inegável complexidade. Mas, nunca será demais ressaltar o pensamento do ministro Celso de Mello, decano da Suprema Corte, de que “nada é mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos”.
Para o ministro, o Supremo não se curva a ninguém, nem tolera a prepotência dos governantes, nem admite os excessos e abusos que emanam de qualquer esfera dos três Poderes da República, devendo desempenhar suas funções institucionais de modo compatível com os estritos limites que lhe traçou a própria Constituição. “Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade” – conclui.
Na conclusão, veja o festejado argumento de Hans Kelsen, jurista e filósofo austríaco considerado um dos mais importantes e influentes estudiosos do Direito, referência mundial imprescindível para a reflexão sobre a adequação e a profundidade das normas jurídicas e do fenômeno jurídico: “A Constituição não é, então, unicamente uma regra de procedimento, mas também uma regra de fundo; por conseguinte, uma lei pode ser, então, inconstitucional, seja por causa de uma irregularidade de procedimento em sua elaboração, seja em decorrência da contrariedade de seu conteúdo aos princípios ou diretivas formulados na Constituição, considerada quando excede os limites estabelecidos por esta” (Hans Kelsen, in “Jurisdição Constitucional” – Tradução de Alexandre Krug - São Paulo – Ed. Martins Fontes - p. 132).
O Direito, segundo Kelsen, é uma ordem normativa da conduta humana, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Daí nasce, então, a interferência do Judiciário como forma de equilibrar e/ou suprir a omissão legislativa no comportamento humano e para os interesses da nossa sociedade. Convenha, “data máxima venia”, isso não é ativismo judicial.