Moro mete os pés pelas mãos
Moro mete os pés pelas mãos
A última investida de Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula ocorreu recentemente. Substituindo-se ao Ministério Público Federal, o ministro da Justiça pediu à Polícia Federal que abrisse investigação policial contra o ex-presidente por este ter sugerido que o presidente da República governa para milicianos do Estado do Rio de Janeiro, onde a família Bolsonaro tem fortes ligações de promiscuidade com o Gabinete do Crime.
“Data vênia”, Moro cometeu um deslize jurídico gritante. Até infantil. O Ministério da Justiça não integra a estrutura do Poder Judiciário brasileiro. Nem tampouco é órgão auxiliar do Ministério Público para fazer as vezes deste para solicitar investigação criminal contra quem quer que seja.
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Ao pedir a abertura de inquérito policial contra Lula o ministro extrapolou a competência do Ministério da Justiça e, por consequência, cometeu crime de abuso de autoridade sem competência constitucional definida em lei.
O Ministério da Justiça, respeitando o princípio da independência dos Poderes da República, não pode interferir no Poder Judiciário e nas atribuições específicas do Ministério Público quanto aos procedimentos policiais que digam respeito às ações penais públicas incondicionadas e condicionadas, e por ação penal privada. Portanto, o Ministério da Justiça não tem competência para, por exemplo:
• prestar informações sobre processos judiciais;
• atuar em processos judiciais de terceiros;
• apurar denúncia contra servidores do Poder Judiciário;
• solicitar abertura de inquérito policial de competência exclusiva do Ministério Público Federal e Estadual;
• sugerir punição contra quem quer que seja pela prática de crimes, atribuição exclusiva do Ministério Público Federal ou Estadual como dono da respectiva ação penal pública; ...
Da competência constitucional do Ministério da Justiça
Natureza
• O Ministério da Justiça é o organismo responsável pela concepção, implementação e coordenação da política definida e aprovada pelo Parlamento Nacional e pelo Conselho de Ministros, para as áreas da Justiça e do Direito.;
• O Ministério da Justiça, no âmbito das suas atribuições, assegura as relações do Governo com os Tribunais, o Ministério Público, o Conselho Superior da Magistratura Judicial, com o Conselho Superior do Ministério Público, com o Conselho Superior da Defensoria Pública, bem como com os demais agentes da área da Justiça e do Direito, designadamente com a entidade representativa dos Advogados.
Atribuições
• Elaborar os projetos de legislação e regulamentação das medidas normativas adequadas à prossecução das políticas para as áreas da Justiça e do Direito, bem como assegurar o estudo, elaboração e acompanhamento da execução dessas medidas;
• Assegurar, sempre que solicitado, a harmonização sistemática e material da produção legislativa em geral;
• Regular e gerir o sistema prisional, a execução de penas e medidas de segurança e os serviços de reinserção social;
• Assegurar mecanismos de patrocínio e de apoio judiciário para os cidadãos mais desfavorecidos;
• Criar e garantir mecanismos que assegurem o respeito pelos Direitos Humanos;
• Promover a divulgação dos direitos e deveres de Cidadania;
• Organizar e prestar serviços de administração e cadastro de bens imóveis em todo território nacional e promover as medidas de implementação necessárias à gestão do património imobiliário do Estado;
• Estabelecer e garantir os serviços de registo e de notariado;
• Assegurar a formação jurídica de quadros necessários para o exercício de funções na área da Justiça e do Direito.
Observe que o ato do ministro Moro pedindo abertura de inquérito policial contra Lula não se enquadra em nenhuma das competências e atribuições do Ministério da Justiça.
Com efeito, a Lei Federal nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, prescreve em seu art. 2º que “é sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território.
No desiderato, reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput do artigo citado.
No caso concreto, a Polícia Federal informou ao público ter concluído que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cometeu crime algum previsto na Lei de Segurança Nacional na investigação pedida por Sérgio Moro a respeito de declarações públicas em que o petista chama o presidente Jair Bolsonaro de "miliciano". Em nota a PF diz: "Resta demonstrado a inexistência de qualquer conduta praticada, por parte do investigado, que configure crime previsto na Lei de Segurança Nacional".
Além de não ter atribuição e nem a competência constitucional conferida ao Ministério Público para promover ou pedir investigação sobre crimes, seja pela Lei de Segurança Nacional ou seja por calúnia, como tentou se justificar “a posteriori”, o ministro Sérgio Moro acabou cometendo um ato ainda mais grave: solicitar investigação sobre crime inexistente e impossível.
Crime impossível consiste naquele em que o meio usado na intenção de cometê-lo, ou o objeto-alvo contra o qual se dirige, tornem impossível sua realização, segundo a previsão do art. 17, do Código Penal brasileiro.
O crime impossível é também chamado pela doutrina de quase-crime. Na conceituação de Fernando Capez, "é aquele que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material é impossível de se consumar ".
O art. 27, da Lei do Crime de Abuso de Autoridade prescreve com pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”.
No art. 30, a mesma lei pune com detenção de 1 (um) mês a 4 (quatro) anos agente público que “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”.
Para Daniel Ferreira de Lira, professor de Direito, o ato de abuso de autoridade enseja tríplice responsabilização, a saber: responsabilização administrativa, civil e criminal, sendo esta última o chamado crime de abuso de autoridade.
O Ministério da Justiça é apenas um órgão dependente do Poder Executivo Nacional responsável pelas gestões administrativa e financeira sobretudo da Segurança Pública, não tendo, portanto, qualquer interferência no Poder Judiciário e na instituição do Ministério Público. Em suma, não possui nenhuma vinculação com o Poder Judiciário e com o Ministério Público.
Para concluir, as funções do Ministério da Justiça e Segurança Pública se concentram nos seguintes ramos:
• Defesa da Ordem Jurídica – garantir que as leis sejam cumpridas;
• Política Judiciária – conciliação e mediação de conflitos;
• Migrações – estrangeiros, nacionalidade e naturalização, regularização migratória;
• Assistência ao Presidente da República – desde que não interfira em áreas relacionadas a outros ministérios;
• Combate à corrupção e à lavagem de dinheiro;
• Cooperação Jurídica Internacional – colaboração entre o Brasil e outros países acerca de medidas de caráter jurídico, através de solicitações de medidas investigativas, judiciais ou administrativas;
• Direito do Consumidor;
• Defesa da Ordem Econômica – manter a livre concorrência no mercado;
• Política sobre drogas – atua na redução da oferta de drogas e repressão do tráfico;
• Política Nacional de Arquivos – garante a preservação e o acesso aos documentos nacionais;
• Registro Sindical - registra entidades representativas de um grupo profissional;
• Coordenação do Sistema Único de Segurança Pública;
• Responsável pela Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal;
• Política de Imigração Laboral – para lidar com a entrada de imigrantes no mercado de trabalho brasileiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil instituiu entre nós o sistema acusatório puro, segundo o qual incumbe exclusivamente ao Ministério Público a investigação com a polícia e a promoção da ação penal pública em juízo, com exclusão de todas as demais autoridades.