Os estadistas e os idiotas

Os estadistas e os idiotas

Para o escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista Nelson Rodrigues, até hoje o mais influente dramaturgo do Brasil de todos os tempos, “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.

“Quando alguém, dentro de algum tempo, for estudar o que nos aconteceu, talvez chame esta página infeliz da nossa história de “Era da Ignorância”. Motivos para tanto abundam, com o perdão da palavra. “(...) O Brasil já sofreu com cretinices, mas nunca dantes neste país os idiotas conseguiram implantar uma idiocracia. Fazem da sua condição motivo de soberba. Orgulham-se da sua estupidez. Transformam-na numa cruzada, buscando salvar as almas de quem ainda não se converteu às trevas. Todos devem aderir à asnice hegemônica. É uma questão de poder, mas também de fé” (jornalista Ayrton Centeno).

Para Centeno, no Brasil dos Bolsonaros o idiota bate no peito e proclama seu estado superior de estupidez. Para ele, tornar-se idiota por aqui virou uma das maneiras de subir na vida. E proclama: Ser idiota no Brasil de hoje virou projeto de vida, sonho de realização.

A literatura psiquiátrica revela alguns dos hábitos dos idiotas e dos imbecis: “transformar tudo que faz em uma competição”; “agir de forma grosseira”; “agir com superioridade”; “queixar-se constantemente”; “interromper os outros”; “não escutar quando alguém fala”; e “criar um conflito sem necessidade ou sem razão”. Para o filósofo Mário Sérgio Cortella, em seu livro “Educação, Convivência e Ética: Audácia e Esperança”, é ofensivo dizer tudo o que pensa numa convivência. O melhor caminho é ter noção muito clara de que a gente não sabe todas as coisas e de que isso não é um defeito.

Defensor da humildade intelectual, citando “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, a clássica obra de Karl Marx, Cortella diz que “o ser humano tem uma grande vantagem sobre a aranha. Apesar de fazer teias maravilhosas, a aranha costuma agir igual à mãe, à avó, à bisavó... Apenas a natureza a altera, ela não muda por si só. Já o ser humano, por mais que não saiba como fazer uma teia igual à aranha, pode criar, inventar algo e inovar. Digo mais: quando a vida nos traz um problema novo, quem tem apenas soluções antigas tende a fracassar. O fato de alguém ser eleito democraticamente não dá a essa pessoa uma natureza soberana. A soberania é diferente da autonomia”.

Com o título “Os estadistas e os idiotas”, o colunista Paulo Sales escreve e publica um interessante artigo para o “momento imbecil” do Brasil de hoje. Curta:

“O trecho a seguir é do escritor espanhol Javier Cercas, no livro O Impostor: “Meu pai e minha mãe viveram sob uma guerra. Meu avô e minha avó também. E, também, meu bisavô e minha bisavó. E assim por diante. Mas eu não. Sempre se diz que o esporte europeu por excelência é o futebol, mas isso é mentira. O esporte europeu por excelência é a guerra. Durante mil anos, na Europa, não fizemos outra coisa além de matar uns aos outros. E aí chego eu, e sou o primeiro, a primeira geração de europeus que não vive sob guerra. Não consigo acreditar. Há quem diga que tudo isso já passou, que uma guerra é agora impossível de acontecer entre nós, mas eu não acredito nisso... Veja este lugar aqui... eram pessoas como você e eu, morrendo aos milhares, feito cães, da forma mais asquerosa e mais indigna possível”.

Não deixa de ser curioso que os europeus – mas não só eles – estejam novamente morrendo aos milhares, desta vez sem que uma guerra esteja em curso. Ou ao menos uma guerra tradicional, entre exércitos inimigos e artilharias pesadas. É justamente o oposto: todos os países se irmanam e se compadecem na tragédia coletiva que parou o mundo, sem qualquer prognóstico de que se encerre em um curto prazo. Voltamos 100 anos no tempo: vivemos um surto pandêmico semelhante ao da gripe espanhola, que dizimou 50 milhões de pessoas e infectou um quarto da população mundial entre 1918 e 1920.

A Europa sabe o que é sofrimento. Sabe o que duas guerras mundiais fizeram por lá. Daí o fato de os principais líderes do continente, bem ou mal, não fugirem à própria responsabilidade. É isso ou os caixões vão ser incinerados num ritmo ainda mais assustador. A alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron são exemplos de líderes que se comportam como o que de fato são: estadistas. Pessoas que possuem plena consciência dos cargos que ocupam e do que deles se espera. Daí a prudência, a lucidez e o comprometimento com decisões extremas, mas eficazes.

O Brasil não conta com a sorte de ter no comando um líder com a altivez de Merkel ou Macron. A cada dia que passa, a cada pronunciamento patético, a cada medida tresloucada, nos damos conta do estado demencial do atual presidente. Um homem despido de integridade moral e dotado de nanismo intelectual agudo, cercado por uma prole de patetas feitos à sua imagem e semelhança. Um indivíduo cuja única obstinação consiste, na prática, em elevar o país ao posto de primeiro do ranking de letalidade da nova pandemia. Como se não bastassem nossa miséria endêmica e nossa permanente convulsão social, como se não bastassem nossa brutalidade, ignorância e desigualdade.

Para nossa salvação, governadores e prefeitos dos mais diversos matizes ideológicos estão tocando o barco, atendo-se ao necessário, evitando que os arroubos de insanidade do presidente tenham alcance devastador. Mas uma coisa é certa. Quando as águas desse dilúvio chamado coronavírus baixarem e pudermos voltar a pôr os pés em terra firme, não podemos nos esquecer: há homens que não têm estatura moral para liderar nações, seja em tempos de penúria, seja em tempos de bonança. Que retornem, portanto, à insignificância”.

Hoje, não existe mais a figura do “arrependido” no Brasil. Mas, do “envergonhado”. Embora o humilde escriba aqui não chegue a tanto, há gente achando que apoiar Bolsonaro significa um idiota defender outro.

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