Isolamento Social e Ações na Justiça
Isolamento Social e Ações na Justiça
Na “guerra” contra o isolamento social, germinam ações no Judiciário contra decretos de governadores e prefeitos sustentando possíveis ilegalidades praticadas, máxime ações populares que visam impedir, em tese, supostos abusos e desvios de finalidade.
Didaticamente, a Ação Popular poderá ter um caráter preventivo para impedir a consumação de um ato considerado lesivo ao patrimônio público; e repressivo, que vise a reparação de um dano consumado ao patrimônio público.
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Genericamente, três são os principais requisitos para a Ação Popular: “condição de cidadão”; “ilegalidade do ato”; e “lesividade do ato”. Sem os quais, portanto, a ação não prospera. Meritoriamente, dois são principais: “ilegalidade” e “lesividade”. Não basta ser ilegal; deve ser também lesivo o ato.
Não raro, tem-se usado a ação reportada com a finalidade política, desvirtuando sua envergadura jurídico-legal. Os anais jurídicos têm demostrado que, neste caso, cabe ao Poder Judiciário velar pela sua independência institucional e coibir abusos de direito.
Parece-me, salvo melhor juízo, que, em tese, decretos de governadores e de prefeitos poderão ser discutidos na Justiça por suspostamente eivados do vício da inconstitucionalidade. Agora, por Ação Popular não! O procedimento não se presta a substituir ação de inconstitucionalidade com o fito de questionar invalidade de decretos dos poderes executivos dos Estados e dos Municípios.
Portanto, em tese, ilegalidade e/ou lesividade de lei ou de decreto somente poderá ser questionada pela via eleita da inconstitucionalidade. Um decreto que impõe isolamento social e limitações de circulação no comércio e em logradouros públicos para prevenir na pandemia com contornos universais, parece-me não ser um ato administrativo precário. Ao contrário, é de hierarquia complexa. Sua invalidade, então, somente poderá ser questionada ou combatida por vício de inconstitucionalidade devidamente demonstrado e comprovado na jurisdição competente.
Inegavelmente, a ilegalidade de um ato administrativo é aquela vista, “a priori”, como contrária ao Direito Positivo. Infringente, pois, às normas legais específicas que regulam sua prática, ou, em outra vertente jurídica, destoante dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública. A ilegalidade poderá advir tanto de um vício formal como de um vício substancial. Contudo, deve seguir-se da prova da “lesividade” contra o patrimônio público. É preciso que haja a demonstração insofismável da prova do dano ao patrimônio dos Estados e dos Municípios envolvidos no combate à pandemia.
A doutrina e a jurisprudência classificam a “ilegalidade” e a “lesividade” como o binômio inseparável na Ação Popular. Considerado como essencial para que a ação prospere em juízo. Exceção à regra somente no caso ambiental, porquanto basta o nexo de causalidade entre a conduta e o dano no meio ambiente para se configurar a ilegalidade e lesividade.
Ao que parece, salvo outro e melhor juízo, onde estaria a lesão ou o dano causado ao patrimônio público dos Estados e dos Municípios no caso do controle do vírus?
A indagação é pertinente. E nos leva à conclusão de que, como advoga Luiz Manoel Gomes Júnior, na obra “Ação Popular - Aspectos Relevantes e Controvertidos”, São Paulo, RCS Editora, 2006, para que se possa acolher o pedido popular por ilegalidade deve haver, também, demonstração do prejuízo efetivo ou potencial, ainda que presumido, sendo este último de forma clara e precisa.
Muito embora alguns julgados entendam que uma ilegalidade possa pressupor uma lesividade, no caso concreto não vejo como isso possa se concretizar. Porque os decretos nos estados e municípios têm o condão para extirpar danos ao erário e não para causá-los. O caso concreto esbarra em dois obstáculos: de ordem jurídica e de ordem moral.
“AUSÊNCIA DE PROVA DE ILEGALIDADE E LESIVIDADE DO ATO – RECURSO IMPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA. (...) Além da condição de eleitor, exige-se, como requisito indispensável para o ajuizamento da ação popular, a ilegalidade do ato e a sua lesividade ao patrimônio público. Não comprovado o ato lesivo e o prejuízo à coletividade, mas tão somente uma irresignação pessoal da parte autora, os pedidos da ação popular não merecem prosperar. 4. Recurso desprovido. Sentença mantida” (Tribunal de Justiça do Distrito Federal – APC 2015.0110354474 – Publicação 06/11/2015).
No caso do controle do isolamento social nos municípios, por exemplo, o pedido em qualquer ação popular representa verdadeira obrigação de fazer. Isso mesmo! Impõe aos municípios que sejam compelidos a “afrouxar” no controle da pandemia de forma imperativa e sem a prova do potencial ofensivo ao patrimônio público. Ao proceder assim estar-se-á desconfigurando a ação popular, o que ensejará o crivo jurisdicional pelo seu indeferimento “in limine”.
Há um caso emblemático ocorrido recentemente na Justiça de Goiás, que extinguiu liminarmente uma ação popular que pedia a suspensão de um decreto que determinava o fechamento do comércio e atividades não essenciais à manutenção da vida devido à pandemia. Para a juíza da 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Goiânia, Zilmene Gomide da Silva Manzolli, a ação não atendeu interesses da coletividade. Amparou-se apenas em interesses individuais. Para a magistrada, não ter-se-ia agido em defesa do patrimônio público e nem pretendeu-se reparar lesão que o suposto ato ilegal poderia causar à coletividade.