Direito à Vida e Direito à Liberdade
Direito à Vida e Direito à Liberdade
O ‘caput’ do art. 5º, da Constituição Federal, consigna que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Com a pandemia, estabeleceu-se um confronto entre o direito à vida e o direito à liberdade, o direito de ir e vir, de locomoção, para o controle do isolamento social. Alguns pensam que o direito de ir e vir poderá contrapor-se ao direito à vida. Ou seja, de que não se pode impedir e nem restringir uma pessoa de exercer o seu legítimo direito de liberdade. Não é bem assim!
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Cientificamente e no campo do Direito, vida - como direito fundamental - admite variadas definições. Pode ser um processo em curso no qual os seres vivos (humanos e não-humanos) são partes. O espaço de tempo entre a concepção e a morte de um organismo vivo. A condição de uma entidade que nasceu e ainda não morreu; e/ou aquilo que faz com que um ser esteja vivo.
Na argumentação, para a religiosidade vida se fundamenta no princípio da existência da alma. Biblicamente, no sentido mais amplo da palavra, a existência humana perfeita com direito a alma.
Liberdade, na conceituação genérica da Sociologia, da Economia e do Direito, é a condição da pessoa que é livre. A capacidade, portanto, de agir em si mesma e para o atendimento a outrem ou a terceiros. É, em um sentido mais eloquente, a autodeterminação, a independência e a autonomia da pessoa para se contrapor à submissão e à servidão. Filosoficamente, o livre arbítrio, denotando vontade de livre escolha.
Inegavelmente, o direito à vida é supremo. Não encontra, pois, limitações nas esferas do viver e do sobreviver em sociedade. Como também fundamental, o direito à liberdade não é absoluto. Significa que seu exercício está atrelado a outros deveres. Porque a liberdade de um começa quando termina a de outem. Implica dizer que o direito de ir vir é limitado ao direito à vida, terminando seu exercício quando prevalente a sobrevivência de outrem.
Na discussão da pandemia, que envolve, inclusive, interesses da coletividade mundial, o interesse público no tempo e no espaço deve prevalecer sobre o privado, o particular. É uma regra elementar de Direito! Por ser de interesse público, de proteção da sociedade, o isolamento e/ou confinamento social prepondera sobre o direito de ir e vir de qualquer pessoa individualizada ou de grupos de pessoas definidos e delimitados em espaços públicos e privados.
Se uma determinação legal impõe que em determinada localidade ninguém poderá circular por colocar em risco de contaminar a saúde de outra pessoa ou do coletivo social, trata-se de um ato de interesse público limitador do livre arbítrio e do direito de ir e vir.
A emergência sanitária implica na necessidade de proteção da vida não só de pessoas, mas da coletividade de forma ampla e irrestrita. Daí a prevalência sobre o particular. Para que a pessoa não incorra nas infrações previstas nos arts. 267 e 268, do Código Penal, para as quais é crime causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos; e infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
Nunca o interesse público esteve tão presente como no caso do enfrentamento ao coronavírus. Por isso a ninguém é dado o direito para desafiá-lo. Porque no Estado Democrático de Direito ele se revela por meio da obediência às determinações dos poderes públicos constituídos, dos direitos, deveres e princípios consagrados na Constituição Federal, de modo a salvaguardar a dignidade humana “lato sensu”.
O conceituado administrativista Hely Lopes Meirelles, em sua festejada obra “Direito Administrativo Brasileiro”, São Paulo, p. 95, defende a observância obrigatória do princípio da supremacia do interesse público na interpretação do direito administrativo. Sustenta que o princípio se manifesta especialmente na posição de superioridade do poder público nas relações jurídicas mantidas com os particulares, superioridade essa justificada pela prevalência dos interesses coletivos sobre os interesses individuais. Para ele, o interesse coletivo, quando conflitante com o interesse individual, deve prevalecer em todos os aspectos.
Na crise, com inúmeras consequências inclusive fatais, é necessário que todos tenham a clara percepção do que seja Supremacia do Interesse Público. Aquele que para o jurista Hector Jorge Escola “é não só a soma de uma maioria de interesses coincidentes, pessoais, diretos, atuais ou eventuais, mas também o resultado de um interesse emergente da existência da vida em comunidade, no qual a maioria dos indivíduos reconhece, também, um interesse próprio e direto”.
Os princípios e os direitos fundamentais quando em conflitos um deve ceder ao outro ou aos demais. No caso, cede o direito à liberdade ao direito à vida. Porque a vida é o direito fundamental mais relevante do ser humano. Sem o qual não subsiste qualquer outro. Assim, um se sobrepõe ao outro porque é impossível haver liberdade sem vida.