Funerária x Apologia à Morte

Funerária x Apologia à Morte

Em plena pandemia, um cemitério de Teresina resolveu “apelar”. Divulgou por outodoors uma publicidade no mínimo inusitada, mas que poderá denotar infração à lei: “#FIQUE EM CASA. E DEIXE-A TAMBÉM DE QUARENTENA”, com uma imagem da morte portando uma foice, objeto sinistro usado pelo “Anjo da Morte” para degolar. A imprensa cunhou de apelativa a peça publicitária em pleno “terror social” provocado pelo coronavírus.

Em uma análise jurídica preliminar, uma pergunta não poderá calar: “Seria um crime de apologia à morte?”

Antes de tudo, oportuno relembrar que o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em data de 27 de fevereiro do corrente ano, determinou a abertura de inquérito policial para investigar e punir com Ação Penal “punks” por “apologia à morte” de Bolsonaro. Em Belém, na época, quatro artistas de um coletivo de rock supostamente teriam atentado contra a honra do presidente e, ato contínuo, teriam também praticado “apologia à morte”.

Na peça publicitária reportada o presidente Bolsonaro era representado pelo palhaço Bozo, que é “empalado” por um lápis. Em outra peça, o presidente aparece vomitando fezes sobre uma floresta, com um bigode de Hitler, uma cueca com a bandeira americana e uma arma em punho. Uma terceira peça mostra Bolsonaro esfaqueado na cabeça.

O empalamento ou empalação, como queiram juridicamente, é um método de tortura e execução que consiste na inserção de uma estaca que atravessa o corpo da pessoa torturada, podendo, em alguns casos, ser introduzida pelo ânus, pela vagina ou através de qualquer outra orifício do corpo que cause humilhação.

Evidentemente, a peça publicitária aqui em Teresina não faz menção a quem quer que seja. Não! No entanto, atiça o imaginário popular a deduzir um implícito pedido para que a coletividade evite morrer pelo covid-19. E, se morrer, a funerária estará ali para o sepultamento. Tudo muito sinistro!

Argumentando, seria, em último caso, “apologia” para evitar a morte. Dependerá do julgamento de cada um. O certo é que teria o mesmo sentido delitivo precário da “apologia ao crime”, aplicando-se o princípio constitucional da analogia.

O caso concreto nos remete à “personificação da morte”, representada na publicidade por uma figura mitológica da “iconografia ocidental” que realça e venera uma imagem esquelética vestida de manta negra com capuz e portando uma foice/gadanha para matar humanos. Típica do autoritarismo genocida.

A associação da imagem com o “ceifador” está relacionada ao trigo, que na Bíblia simboliza a vida. O “ceifeiro sombrio” é a morte; ou, para algumas civilizações, o Anjo da Morte. A gadanha/foice, simbolicamente empunhada por uma figura devidamente paramentada, representa a morte na Terra, a eliminação ou ceifa de vidas humanas.

Advirta-se, a ação transgressora de cultuar a morte é a mesma de auxiliar ou induzir alguém a morrer.

Por inexistência de norma positivada específica para punir “apologia à morte” ou “culto à morte”, ainda que implícita e indiretamente, impõe-se observar as disposições dos arts. 4º e 5º, do Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942, que instituiu a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, segundo os quais “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”; e, por conseguinte, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

A publicidade, salvo melhor juízo e com todo o respeito, é flagrantemente ofensiva aos fins socais e ao bem comum, na forma da lei.

Se admitida na prática por analogia, estaremos diante de uma indireta “apologia ao crime”, com os contornos do “implícito induzimento à morte” para divulgar comercialização de sepultamentos. O que deve ser considerado transgressor é, sobretudo, o ato de deboche público por motivação religiosa ou não, que objetiva desrespeitar o bem e a paz da coletividade. Observe-se que a zombaria pública não deixa de ser crime contra a coletividade. Porquanto várias pessoas tomaram conhecimento da manifestação desairosa que cause incertezas para viver.

Para a lei penal, incitar é o mesmo que incentivar. É a ação de persuadir ou de estimular alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Enfim, é "jogar lenha na fogueira" de forma consciente e proposital por meio de palavras e/ou atos, achincalhando sentimentos sociais e/ou religiosos, acometendo contra os princípios da dignidade da pessoa humana, vista esta como um pilar e um fundamento da República.

O bem jurídico genérico a ser tutelado é a paz pública. Com proteção ao sentimento de tranquilidade e de segurança que deve imperar na coletividade para que haja um normal sentimento da vida social. Toda ação que faça apologia à morte e/ou ao crime acaba sendo compreendida como ofensa à paz pública e ao sossego humano.

Compreenda-se, pois, que não há um tipo específico de crime. Porém, o legislador pátrio resolveu estabelecer crimes que dão proteção antecipada ao bem jurídico da paz pública, os quais, dependendo da ofensa e da consumação, haverão de assentir por analogia.

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