Regina Sousa e os médicos

Regina Sousa e os médicos

A vice-governadora do Piauí, ex-senadora Regina Sousa, autêntica mulher piauiense, vê-se agora sob o manto da acusação de ter ofendido médicos por “retwittar” nas redes sociais críticas às posturas dos referidos profissionais do Estado do Pará, apontando-os como “racistas e xenofóbicos”, postagem curtida do professor Glauco Silva com milhares de seguidores deste. A atitude, ressalte-se, não foi isolada da vice-governadora. Não!
 
Diante do fato, o Conselho Regional de Medicina (CRM) entendeu de ingressar contra a indigitada vice-governadora com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal do Piauí por danos morais.
 
O CRM sustenta que possui competência legal para defender os participantes e/ou integrantes da categoria como trabalhadores da classe médica, que, supostamente, teriam sido lesionados pelo “retwitter” da vice-governadora, exigindo dela uma reparação por ofensas morais a direitos coletivos.
 
“A priori”, a questão jurídica foge à normalidade pelos seguintes pontos: “trata-se de um “retwuitter” original de uma outra página pessoal acessada por milhares e milhares de outras pessoas; que em decorrência do grande número de pessoas que “retwuitaram” a página, ressente-se a ação da indicação de todos os litisconsortes passivos necessários, que possam suportar os efeitos da demanda; e, por último, a inexistência de responsabilização do Estado do Piauí, quando a postagem foi nitidamente pessoal, ou seja, fora impessoal em relação à pessoa jurídica de Direito Público que não se confunde com a pessoa física.
 
No ponto, convém e impõe destacar-se que não só os direitos coletivos tidos como transindividuais e de natureza indivisível possuem “titulariedades determináveis”, em decorrência da relação jurídica preexistente, mas, também, os direitos individuais homogêneos, aqueles cujos titulares são a princípio indeterminados, mas passíveis de serem identificados, que possuem natureza divisível e decorrem de uma situação de fato ou de direito comum as partes, que são todos os litisconsortes passivos necessários, aquelas pessoas que também “retwuittaram” a postagem, que obrigatoriamente devem ser citados para os termos da ação por suposta ofensa à honra alheia.
 
Portanto, além da legitimação ativa, a Lei Federal nº 7.347/85, que instituiu a Ação Civil Pública, aponta também para a legitimação passiva, como podendo ser qualquer pessoa - seja física ou jurídica – que poderá figurar no polo passivo da contenda, desde que atente contra qualquer dos bens juridicamente tutelados na respectiva ação. Se, em tese, Regina Sousa atentou contra esses bens as demais pessoas que “retwittaram” as postagens deverão - em tese - responder à ação proposta.
 
Outro ponto relevantíssimo é o fato de que não só uma Associação e/ou Entidade de Classe possa ter mais de um ano de existência para se enquadrar como parte legítima para propor a respectiva ação, mas comprovar também que entre suas finalidades estatutárias insere-se a cláusula de proteção àqueles bens citados na lei.
 
É consolidado o entendimento de que, não basta apenas ser entidade de classe a proteger direitos difusos e coletivos, mas deve ter “pertinência temática” com o caso a ser apreciado e julgado na Justiça. Por exemplo, é possível que uma Ação Civil Pública sobre meio-ambiente proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) seja rejeitada de plano porque sua principal finalidade é a proteção aos direitos do consumidor e não dos direitos difusos ou coletivos.
 
“Constitui pressuposto da ação civil pública o dano ou a ameaça de dano a interesse difuso ou coletivo, abrangidos por essa expressão o dano ao patrimônio público e social, entendida a expressão no seu sentido mais amplo, de modo a abranger o dano material e o dano moral.     Com a expressão interesse difuso ou coletivo, constante do artigo 129, III, da Constituição, foram abrangidos os interesses públicos concernentes a grupos indeterminados de pessoas (interesse difuso) ou a toda a sociedade (interesse geral); a expressão interesse coletivo não está empregada, aí, em sentido restrito, para designar o interesse de uma coletividade de pessoas determinadas, como ocorre com o mandado de segurança coletivo, mas em sentido amplo, como sinônimo de interesse público ou geral. Abrange, especialmente, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio histórico ou cultural, à ordem econômica, à ordem urbanística ou a qualquer interesse que possa enquadrar-se como difuso ou coletivo” (in Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 24ª ed., São Paulo, Atlas, 2010).
 
Ao que parece, a entidade reportada não representa o interesse geral, o interesse da coletividade como um todo, mas apenas os interesses de um agrupamento de pessoas determinadas.
 
O último ponto a ser abordado é com relação à postagem (retwittagem) pessoal de Regina Sousa. Evidentemente, não houve um “twitter” ou “retwiiter” com compartilhamento de forma institucional envolvendo a figura pública do Estado do Piauí. A postagem fica restrita ao âmbito do interesse pessoal, não representando vontade deliberada do Estado do Piauí como legitimado na defesa do bem comum.
 
Concluindo, o dever privado de Regina Sousa não pode ser confundido com o dever público do Estado do Piauí. A propósito, da doutrina de Kelsen colhe-se que, "o dever jurídico não é mais que a individualização, a particularização de uma norma jurídica aplicada a um sujeito". Kant distingue os deveres quanto aos motivos da ação e não em relação ao conteúdo. Portanto, o dever de Regina Sousa não pode – e nem poderá - estender-se ao ente federado. Parece-me, pois, improvável que o Piauí tenha violado direitos difusos ou coletivos na infringência a qualquer norma legal.

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