Bolsonaro x Crivo de Aras
Bolsonaro x Crivo de Aras
Após perícia no vídeo da reunião no Palácio do Planalto e na respectiva câmera filmadora, com oitiva de testemunhas e demais formalidades, o inquérito que apura notícia-crime de Sérgio Moro contra Jair Bolsonaro começa a se aproximar de sua respectiva conclusão. Os olhares, então, voltam-se agora para o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que pode oferecer ou não denúncia contra o presidente da República.
“Aras pedirá ou não o arquivamento do inquérito?” “Aras denuncia ou não o presidente da República?” Neste momento, indagações que alimentam apenas ceticismo. Aliás, a visita do ‘investigado’ Bolsonaro ao ‘investigador’ Aras nesta segunda-feira lançou mais dúvidas ainda. Um ‘investigador’ que não se distancia do ‘investigado’ é no mínimo dúbio, promíscuo.
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Contudo, para pedir o arquivamento e, consequentemente, não denunciar Bolsonaro, o Ministério Público Federal deverá respeitar alguns fundamentos para se convencer de tal procedimento, a saber:
1 - decorrer do inquérito “causa excludente de ilicitude” (legítima defesa; estado de necessidade; estrito cumprimento do dever legal; e exercício regular de direito) - não seria o caso versado;
2 - decorrer do inquérito “causa excludente da culpabilidade” - também não seria o caso investigado;
3 - decorrer do inquérito “atipicidade da conduta” como possibilidade para arquivar - aqui reside a interrogação;
4 - decorrer do inquérito ausência de elementos informativos sobre a “autoria e materialidade do crime” como uma possibilidade vinculada à anterior.
Dos fundamentos a sopesar o que mais pesa na balança é a “atipicidade da conduta”. De que a conduta do presidente naquela famigerada reunião ministerial teria sido atípica para justificar oferecimento de denúncia. Havendo, pois, atipicidade, exclui-se, por conseguinte, a autoria e a materialidade - estas como causas dependentes daquela.
Na labuta forense, há inúmeras teses de atipicidade que são desenvolvidas e colocadas ao crivo ministerial e judicante. Todas sob a alegação de que se exige o exame dos fatos e das provas na análise do de cada caso concreto. Como o próprio termo sugere, atipicidade é a ausência, a inexistência de fato típico para ensejar processo-crime. Na pretensão, não havendo tipicidade não há crime. Sua falta pode ser reconhecida até de ofício pelo magistrado, independentemente de provocação da defesa ou da acusação.
Eugênio Pacelli e André Callegari, juristas de escol, ajustam suas teses no sentido de que a tipicidade consiste na subsunção do fato ao tipo penal, ou seja, se o fato praticado pelo agente preenche todos os elementos previstos no tipo penal, como o dolo, a finalidade especial, a forma de execução, etc. A tipicidade é um elemento do fato típico. O fato será atípico quando a conduta não preencher todos, alguns ou um dos elementos do tipo penal.
De fato, para pedir o arquivamento do inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal o Procurador-Geral da República terá que se desdobrar para justificar um pedido lastreado na atipicidade. De que Bolsonaro não cometeu crime algum capaz de justificar o oferecimento da denúncia.
O óbice que encontrará o procurador na análise da conduta de Bolsonaro reside no fato de que o presidente promoveu uma espécie de advocacia administrativa para proteger familiares e amigos, confessadamente. Será, portanto, essa a dificuldade para adequar a conduta do presidente a uma possível atipicidade. Porque, no caso, aflora o juízo da tipicidade revestido na conduta do presidente dentro de um quadro de ilicitudes.
Tipicidade, na visão do saudoso penalista Damásio de Jesus, “é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. Pela conceituação percebe-se a diferença entre tipo e tipicidade. Enquanto o tipo refere-se à fórmula abstrata da lei, a tipicidade pertence concretamente à conduta, ao ato de agir do investigado.
Conclusivamente, para pedir o arquivamento do inquérito contra Bolsonaro, o procurador terá que se convencer de que não há correspondência entre um determinado tipo penal descrito na lei e a tipicidade concreta da conduta em si, tarefa árdua e que exigirá dele procurador muita habilidade jurídica para convencer a Suprema Corte e, sobretudo, a classe jurídica nacional pela opção de não denunciar o presidente, dado que este agiu sabendo o que estava fazendo, ciente, portanto, das consequências da ação assumida para proteger familiares e amigos em pleno exercício da função pública, firmado no mais elevado cargo e encargo da República brasileira.