STF e inquérito das fake news
STF e inquérito das fake news
Elementarmente, o Código do Processo Penal (CPP) é o instrumento jurídico-legal que prescreve as formas para que seja materializada a prestação judiciária e jurisdicional na persecução criminal tanto na fase investigatória como na instrutória. Exerce papel no âmbito do direito processual semelhante ao do Código do Processo Civil (CPC). Aliás, este pode, inclusive, ser aplicado àquele subsidiariamente quando convir para a investigação e/ou para a instrução do processo-crime.
O inquérito das fake news (notícias falsas) no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que apura crimes praticados contra instituições e autoridades judiciárias nas redes sociais, tem sido objeto de muita polêmica nacional, despertando debates dos mais acalorados.
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De início, é forçoso trazer à baila a legislação atinente à espécie.
O art. 43, “caput”, do Regimento Interno do STF, permite que a Corte instaure inquérito quando houver “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.
Na polêmica, alguns operadores do Direito se agarram apenas à hipótese do “caput” do referido dispositivo para criar, acentuar e alargar o debate, sem, contudo, aprofundar-se na questão.
Intencionalmente ou não, omite-se a leitura completa do texto legal, que no seu § 1º prescreve que, “nos demais casos”, quando a infração não ocorrer na sede ou nas dependências do Supremo Tribunal Federal, “o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente”.
Dirimindo dúvidas, observe as locuções inseridas no texto legal: “proceder” ou “requisitar”. Implica dizer que o presidente da Corte poderá, de ofício, proceder à investigação; ou, na hipótese seguinte, requisitar a abertura do inquérito pela polícia ou via Ministério Público. O que fez, então, a autoridade judiciária competente do presidente do STF? Requisitou à Polícia Federal a abertura do inquérito, não deixando qualquer lacuna para interpretação divergente ou conflitante.
Há um erro daqueles que entendem que somente ao Ministério Público compete pedir abertura de inquérito, por ser o órgão ministerial dono ação penal. Não!
Antes, veja a redação do art. 5º, do Código de Processo Penal:
Art. 5º - Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
Quando a lei fala “de ofício” significa que a autoridade policial poderá instaurar o inquérito mediante portaria. Quando, por fim, tomar conhecimento de crime de ação pública, excluída, por certo, a ação penal privada, que se inicia mediante queixa-crime.
Pela redação do inciso II, do citado art. 5º, do CPP, há uma subdivisão no texto em três partes, a saber: a primeira, prevendo a instauração do inquérito por requisição da autoridade judiciária - o termo requisição aqui empregado pela lei tem o sentido de ordem, de imperatividade, de determinação; a segunda, diz respeito à instauração do inquérito em razão da requisição do Ministério Público, prestigiando, assim, a função institucional do órgão; e, por último, a terceira parte, que implica na instauração do inquérito mediante requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Repare um detalhe bem sutil: o legislador usou o termo requisição quando tratou da autoridade judiciária e do Ministério Público; e, por fim, usou o termo requerimento quando tratou da vítima ou de seu representante legal.
Há, também, embora uma hipótese não legislada, em que a instauração do inquérito policial decorre da manifestação de qualquer pessoa do povo. É o caso da “notícia-crime” ou da “notícia do fato” levada ao conhecimento da polícia ou do Ministério Público.
Observe que o inciso II, do referido dispositivo, ajusta-se perfeitamente ao que preceitua o Regimento Interno do STF, não se vislumbrando ilegalidade no procedimento investigatório adotado pelo STF para apurar crimes contra membros do tribunal. No caso concreto, há apenas o exercício regular de atribuições conferidas pelo § 1º, combinado com o § 2º, do art. 43, do seu Regimento Interno da Corte, e com o inciso II, do art. 5º, do CPP.
O inquérito no âmbito do STF nada mais é do que uma decorrência natural da supervisão judicial nos processos de competência originária da Corte. Máxime em se tratando de crimes contra os próprios ministros.
No estágio atual do nosso regime democrático há, sim, dispositivo legal vigente a amparar atos do STF para determinar investigação criminal. Sobretudo pelo malferimento dos princípios democráticos, quando criminosos pregam a desordem em nome da liberdade de expressão.
O inquérito não deve ser instaurado somente nas seguintes hipóteses:
- se o fato é atípico, não espelhando qualquer tipo penal;
- se a punibilidade da pessoa investigada estiver extinta;
- se autoridade for incompetente;
- se não forem fornecidos elementos indispensáveis para se proceder à investigação;
- se a pessoa investigada já tiver sido absolvida ou condenada pelo mesmo fato, ainda que a sentença não tenha transitado em julgado, evitando-se o “bis in idem”, ou seja, a repetição do mesmo fato.
Que fique ressaltado que a finalidade do inquérito é apenas para investigar a respeito da existência do fato criminoso, da autoria e da materialidade. Não é uma condição ou um pré-requisito “sine qua non” para o exercício da ação penal. Não! Tanto que o inquérito pode ser substituído por outras peças ou outros documentos de informação, desde que estas ou estes sejam suficientes para justificar e sustentar uma acusação criminal no Judiciário.
Concretamente, caso haja denúncia no âmbito do STF contra os acusados pelos crimes das fake news, apenas os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes estarão impedidos de votar e julgar a ação penal. O primeiro, por requisitar a abertura do inquérito; o segundo, por presidir o procedimento inquisitorial. Oferecida a denúncia pelo Ministério Público, um relator será sorteado, com exclusão dos ministros citados.
Após o inquérito, com o relatório da Polícia Federal, os autos são encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF) como ocorre com qualquer outro procedimento investigatório, seja de ofício da polícia por portaria, por requisição da autoridade judiciária, do “parquet”, da vítima ou de qualquer pessoa do povo. Cabendo, pois, ao MPF requisitar diligências, perícias, ouvir mais pessoas e o que for necessário para o esclarecimento dos fatos e da verdade real, oferecendo ou não denúncia. É simples. Não há necessidade para tanta celeuma.