Racismo e Supremo Tribunal

Racismo e Supremo Tribunal

Nos últimos dias, tanto no Brasil como no mundo parece ter estourado uma “bolha racista”. Feroz e valente, saiu do armário como gado sai do curral para assacar contra princípios básicos do Direito Internacional Humanitário, que, por meio de normas consuetudinárias (costumeiras) e convencionais, liga-se à proteção humana como ramo do Direito Internacional Público, voltado para a proteção das pessoas.

De uma hora para outra uma avalanche racista começou a tratar as outras pessoas como inimigas. Sem rédeas, agride até o “pilar da humanidade”, o princípio da dignidade humana. Racistas se juntam aos montes como “párias da humanidade” para cometer as mais nojentas atrocidades. São os “párias” que objetivam criar “castas” para impingir uma exclusão social desumanizadora no mundo, ignorando os princípios fundantes da universalidade dos direitos humanos.

Infelizmente, conta-nos Aurora Rosa Silvestre, “o racismo no Brasil ainda é uma questão que causa revolta e envergonha uma das nações formadas pelas mais diversas formas de miscigenação”.

Em suas pesquisas, Francisco Porfírio descreve que, antes de falar de racismo, devemos atentar para uma importante distinção conceitual entre preconceito, discriminação e racismo. Não são exatamente a mesma coisa. Preconceito é um julgamento sem conhecimento de causa, ou seja, julgar algo ou alguém sem antes conhecer. Discriminação, por sua vez, é o ato de diferenciar, de tratar pessoas de modo diferente por diversos motivos. E, por fim, racismo é uma forma de preconceito ou discriminação motivada pela cor da pele ou origem étnica. O racismo, então, está inserido dentro do “preconceito” e da “discriminação”.

O racismo, para uma melhor compreensão, não se manifesta de maneira única. Não! Ocorre, principalmente, de três formas:

Quando há crime de ódio ou discriminação racial direta: essa forma de manifestação do racismo é mais evidente. Trata-se de situações em que pessoas são difamadas, violentadas ou têm o acesso a algum tipo de serviço ou lugar negado por conta de sua cor ou origem étnica.
 
Quando há o racismo institucional: menos direta e evidente, essa forma de discriminação racial ocorre por meios institucionais, mas não explicitamente, contra indivíduos devido a sua cor. São exemplos dessa prática racista as abordagens mais violentas da polícia contra pessoas negras e a desconfiança de agentes de segurança e de empresas contra pessoas negras, sem justificativas coerentes. Um bom exemplo da luta do racismo institucional são os protestos de Charlottesville, nos Estados Unidos, em 2017, devido à conduta criminosa de policiais que mataram negros desarmados e rendidos em abordagens, além de agirem com violência desnecessária.

Quando há o racismo estrutural: menos perceptível ainda, o racismo estrutural está cristalizado na cultura de um povo, de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser percebida na constatação de que poucas pessoas negras ou de origem indígena ocupam cargos de chefia em grandes empresas; de que, nos cursos das melhores universidades, a maioria esmagadora - quando não a totalidade - de estudantes é branca; ou quando há a utilização de expressões linguísticas e piadas racistas. A situação fica ainda pior quando as ações ou constatações descritas são tratadas com normalidade.
 
Há no Brasil de hoje um recrudescimento do chamado “Movimento Eugênico” em séculos passados, que volta com força. Racista, sempre encampou pelas classes média e alta brasileiras a possibilidade (agora até pelas armas) de institucionalizar novamente a “eugenia”, termo elitista que significa “bem nascido” para validar de mãos dadas com o atual governo a odiosa “segregação hierárquica”. Essa gente de índole duvidosa ainda alimenta a “eugenia” como símbolo de modernidade para colocar (veja só!) o Brasil no trilho do progresso com uma “regeneração racial” apenas com brancos e ricos.

Não se iluda! Com um Brasil governado dessa forma por um racista confesso, envolto em persistente crises de ódio e de discriminação, com uma gente que nunca aceitou a inclusão social de governos anteriores bem próximos, essa “intelectualidade de araque” tem na eugenia uma “solução” como se fosse uma “varinha de condão”.

Racistas como são imaginam que um Brasil pós-pandemia possa ter uma espécie de “higiene social”. Isso mesmo! Para que essa “casta” possa identificar nas características raciais e físicas “ruins” somente dos outros um “mau” para desenvolver apenas as boas características deles, como acentua em seus estudos a pesquisadora Pietra Diwan, autora do livro “Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo”. 

Fui pesquisar, doutor! E logrei êxito! Busquei que ao longo do tempo o Supremo Tribunal Federal (STF) - dentro de uma dimensão social sustentada em estudos e pesquisas - tem projetado o racismo para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos. Enquanto manifestação de poder, para o STF, o racismo resulta de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política e à subjugação social.

Enquanto ministro da Corte, Maurício Corrêa defendia uma interpretação “teleológica e sistêmica” da Constituição Federal para compreender que a genética baniu de vez o conceito tradicional de raça e que a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens, citando como exemplos o escravismo e o holocausto. Seja porque o conceito de raça não pode resumir-se à semelhança de características físicas, devendo ser adotada em suas mais diversas formas, seja porque a doutrina nazista defendida e incentivada por muitos baseia-se no segregacionismo, como é público e notório na sociedade brasileira, máxime na atual crise de identidade.

É de toda condenável a prática da discriminação inspirada em ideias e teorias baseadas na superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem étnica que pretende justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e de preconceito racial. Vergonhosamente, ainda persistem aqueles que se negam a reconhecer que só existe uma raça, que é a espécie humana. "Aquele que ofende a dignidade de qualquer ser humano, especialmente quando movido por razões de cunho racista, ofende a dignidade de todos e de cada um”, adverte o ministro Celso de Mello, do STF.

Para a Ciência, raça é uma ideia sem nenhum fundamento. Coisa de neófito! Os imbecis insistem em negar que é apenas um rótulo usado para nos separar uns dos outros. Pesquisas genéticas revelam duas grandes verdades: a primeira, de que todos os seres humanos são estreitamente aparentados; e a segunda de que todas as pessoas têm a mesma coleção de genes. Assim, não existem “raças” com contornos definidos. Não! Existe apenas variações físicas entre seres humanos.

Anthony Giddens, sociólogo britânico, reconhecido mundialmente por sua “Teoria da Estruturação”, uma tentativa de reconciliar as teorias sociais, descreve o conceito de raça como sendo um “conjunto de relações sociais que permite situar os indivíduos e os grupos e determinar vários atributos ou competências com base em aspectos biologicamente fundamentados”. Significa que a distinção racial vai além de tentar categorizar indivíduos por suas características biológicas e físicas. Está também relacionada às desigualdades e aos fenômenos sociais.

“As teorias raciais surgiram como forma de tentar justificar a ordem social que surgia à medida que países europeus se tornavam nações imperialistas, submetendo outros territórios e suas populações ao seu domínio. O conceito foi amplamente adotado em todo o mundo até o período da Segunda Guerra Mundial, quando o surgimento da ameaça nazista elevou a proporções astronômicas o preconceito e o ódio em relação a grupos humanos específicos”, diz o sociólogo Lucas Oliveira.

“Essa questão do racismo no mundo deu ruim para o Bolsonaro. É uma bandeira muito forte. A grande diferença é que ela trás em si uma comoção social. Antirracismo soa melhor que antifascismo. Pelo andar da carruagem o bicho vai pegar contra presidentes racistas” (jornalista Arimatéia Azevedo, na sua coluna diária do Portal AZ).

 
 

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