Autonomia Universitária e Constituição

Autonomia Universitária e Constituição

Novamente outra celeuma envolvendo o princípio constitucional da autonomia universitária, agora com a edição de uma Medida Provisória atribuindo, por delegação, poderes ao Ministro da Educação nomear para cargos de direção no Ensino Superior Federal, incluindo, inclusive, Institutos Federais de Educação durante a pandemia.

Sem dúvida, uma medida inconstitucional!

Para o Direito Constitucional, autonomia pressupõe capacidade de reger-se por leis próprias. Alguns confundem com soberania. Enquanto a soberania diz respeito à Nação, no ambiente externo das relações internacionais, a autonomia se insere no exercício das atribuições internas das nossas instituições, consoante a previsão legal do art. 207, da vigente Constituição Federal, para o qual “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o entendimento de que, embora não se revista de caráter de independência, atributo constitucional inerente aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a autonomia universitária diz respeito à liberdade suficiente para gerir quadro de pessoal, bem como patrimônio financeiro, dentro, claro, do que dispõem a Constituição e as leis ordinárias e esparsas.

“A autonomia administrativa está consubstanciada na prerrogativa de estabelecer o “conjunto de órgãos de competência administrativa hierarquicamente dispostos e nos quais se alocarão as competências administrativas”. Compreende, também, “criação e extinção de cargos, empregos ou funções de seus serviços e fixação da respectiva remuneração”. (in Júlio Cesar dos Santos Esteves e Carlos Coelho Pinto Mota (Coord.), em “Curso Prático de Direito Administrativo”, 3ª ed. - Belo Horizonte - p.1193).

“A autonomia administrativa assegura à universidade, sempre em função de seu tríplice objetivo institucional, é a capacidade decisória para, de um lado, administrar os seus serviços, agindo e resolvendo ‘interna corporis’ os assuntos de sua própria competência, e, de outro, disciplinar as suas relações com os corpos docente, discente e administrativo que a integram (STF, ADI nº 51, Rel. Min. Paulo Brossard. Voto do Min. Celso de Mello, - RTJ, vol. 94/1130).

Autonomia universitária implica, acima de tudo, em liberdade de ensino e de comunicação do pensamento. O princípio constitucional, como leciona Caio Tácito, transforma a universidade em um espaço social privilegiado da liberdade, onde se desenvolvem os demais aspectos da vida social, quer aqui no Brasil como em qualquer nação democrática do mundo. “A liberdade de comunicação de conhecimentos no exercício do magistério (...) é o fulcro da autonomia didático-científica das Universidades...” (STF, ADI nº 51, Rel. Min. Paulo Brossard. Voto do Min. Celso de Mello, - RTJ, vol. 94/1130).

A intromissão ou a intervenção governamental na autonomia universitária soa como violação ao conceito dinâmico das instituições de ensino, variando de conformidade com a história, as políticas públicas e as relações jurídicas no tempo e no espaço. Portanto, foi com base nesse dinamismo que o legislador constituinte concebeu a autonomia universitária como um movimento permanente, conferindo às autarquias e às fundações púbicas de ensino superior um autogoverno nas áreas didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

No contexto constitucional, definido plenamente no citado art. 207, da Carta Magna, coube – como cabe - à legislação ordinária estabelecer o verdadeiro alcance e limites dessa autonomia, a saber:

1 - autonomia didático-científica: as universidades devem ter plena liberdade para definir currículos, abrir e fechar cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação e de extensão; e plena liberdade de definir suas linhas prioritárias e mecanismos de financiamento da pesquisa, conforme regras internas;

2 - autonomia administrativa: pressupõe organizar-se internamente como melhor lhes convier, aprovando seus próprios estatutos, adotando ou não sistemas de departamentos, regime de crédito, estrutura de câmaras, etc.; e exercer autonomia em relação ao plano de carreira;

3 - autonomia de gestão financeira e patrimonial: o princípio básico, aqui, deve ser o da dotação orçamentária global, com plena liberdade para remanejamento de recursos entre itens de pessoal, custeio e capital. Significa que as universidades devem poder constituir patrimônio próprio, ter liberdade para obter rendas de vários tipos, e, por fim, utilizar destes recursos como melhor lhe convenha, tudo em conformidade com os limites da lei;

4 - regime jurídico: a autonomia universitária só se transformará em realidade se as universidades públicas adquirirem personalidade jurídica própria, que não as confundam com os demais órgãos da Administração Pública.

Importante sublinhar que o princípio constitucional da autonomia universitária é genérico. Ou seja, abrange, inclusive, as universidades privadas. O objetivo do nosso legislador constitucional foi de ampliar o conceito de universidade como instituição de alto nível. Não somente para estudantes que terminam o secundário, mas para todas as pessoas de todas as idades e de todos os níveis educacionais anteriores interessadas em melhorar seus conhecimentos, ingressar em novas carreiras, obter títulos que autorizem o desempenho de novas funções e o recebimento de novos salários, etc., etc.

Como se percebe, o tema é vasto e de alto alcance. O certo é que a autonomia universitária, vista genericamente, liga-se, intrinsecamente, ao princípio constitucional do acesso segundo a capacidade de cada um. Nela não poderá haver limitações por exceções à regra. Visto que o princípio do acesso não poderá ser cumprido sem uma política explícita de liberdade e de autonomia universitária.

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