Crimes na Rachadinha

Crimes na Rachadinha

A “rachadinha” com dinheiro público é uma prática comum pela qual parlamentares federais, estaduais e municipais se apropriam de parte dos salários de funcionários comissionados que nomeiam para seus gabinetes.

As ações delitivas alcançaram proporções escandalosas após um “pente fino” do então Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), que detectou transações bancárias suspeitas envolvendo deputados estaduais no Estado do Rio de Janeiro. Se tivesse se expandido encontraria em todo o Brasil. Inclusive na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, segundo denuncia periodicamente a grande imprensa.

O confisco de parte dos salários dos servidores da Alerj configura crime de peculato, que consiste, segundo o dicionário Houaiss “na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público ou de coisa móvel apreciável, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda”, como diz o acadêmico Pedro Vitor Serodio de Abreu.

De acordo com Marilda Silveira, professora de direito administrativo da Escola de Direito do Brasil, em uma investigação produzida por Giuliana Vallone, da BBC News Brasil em São Paulo, a "rachadinha" pode ocorrer de maneiras diversas. "Uma forma bastante comum é se aproveitar de alguém que está desesperado para conseguir um emprego e fazer com que o funcionário dívida o dinheiro de sua remuneração", diz a professora.

“A contratação de funcionários fantasmas também podem ser utilizada para partilhar os recursos. Neste caso, o político nomeia para um determinado cargo uma pessoa que não desempenhará, de fato, suas funções. O servidor, então, recebe o salário e repassa parte dele para o deputado, ou para alguém de sua família. O combinado pode ser, por exemplo, enviar uma fatia do dinheiro para a irmã do político", afirma Silveira. A "rachadinha" funciona ainda como jeito de aumentar o número de servidores de um determinado gabinete. Neste caso, o contratado é obrigado a dividir sua remuneração com alguém que trabalha com ele - uma forma de dividir o salário destinado a um funcionário entre duas pessoas.

Poucos sabem, mas a “rachadinha” é uma ação delituosa gravíssima que desdobrada envolve muitos crimes. Enganam-se aqueles que advogam a tese de que a “rachadinha” possa resultar apenas em “improbidade administrativa”. Não! Criminalmente, também resulta em concussão, peculato, corrupção e organização criminosa.

No aspecto civil, evidentemente, a “rachadinha” implica mesmo em improbidade administrativa, constituindo ato imoral e desonesto a apropriação em parte dos salários e/ou subsídios de servidores comissionados fantasmas ou não de um gabinete parlamentar ou não, realizando, portanto, atos administrativos para favorecimento próprio.

No aspecto penal, à primeira vista estamos diante de um “crime de concussão”, previsto no art. 316, do Código Penal, que tem a seguinte redação: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”. Em outras palavras, o agente político exija da vítima (servidor comissionado ou não) o pagamento de vantagem que não é devida. A vítima, primeiro, porque precisa receber algum pagamento (às vezes a metade); segundo, porque teme represália futura. Um crime gravíssimo!

O peculato, por sua vez, constitui em apropriação indébita por parte do agente político de parte dos salários ou subsídios do(a) servidor(a) ou funcionário público, prescrito no art. 312, do Código Penal, que diz: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa”. Segundo Fernando Capez, em seu “Curso de Direito Penal”, volume III, “antes de ser uma ação lesiva aos interesses patrimoniais da Administração Pública, é principalmente uma ação que fere a moralidade administrativa, em virtude da quebra do dever funcional”.

Normalmente, os crimes de concussão e de peculato são direcionados ao esquema de desvio de verbas públicas por meio da nomeação de “servidores fantasmas”, para que suas presenças em locais de trabalho não denunciem a ação criminosa. Quando verba pública (salários) é depositada na conta corrente do “fantasma', desaparece o controle do Estado e a ação se transforma em criminosa.

No caso da corrupção ativa, o delito é estabelecido pelo artigo 333 do CP, que diz “Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”. O art. 317, do Código Penal, por sua vez define o crime de corrupção passiva: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003).

O crime de organização criminosa previsto na Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. No § 1º, do art. 1º, a lei define organização criminosa como sendo a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Observe o detalhe: todos os crimes de concussão, peculato, corrupção ativa e passiva têm penas máximas de 12 anos de reclusão. Logo, acima de 4 anos, comportando, pois, inserir-se na organização criminosa.

“A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em Palermo, na Itália, em 15 de dezembro de 2000, definiu, em seu art. 2º, o conceito de organização criminosa como todo “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”. Tal convenção foi ratificada pelo Decreto Legislativo n. 231, publicado em 30 de maio de 2003, no Diário Oficial da União, n. 103, p. 6, segunda coluna, passando a integrar nosso ordenamento jurídico. Com isso, bastam três pessoas para que se configure tal organização, contrariamente à quadrilha ou bando, que exige, no mínimo, quatro integrantes. O conceito é um pouco vago, pois a Convenção exige que a organização esteja formada “há algum tempo”, sem definir com precisão quanto” (in Fernando Capez, “Curso de Direito Penal, volume 4 - legislação penal especial, 2019, p. 396/397).

Com o fito de argumentação, para não passar desapercebido, convém distinguir-se o que seja “organização criminosa” e “associação criminosa”. No passado, antes da alteração da legislação de 2013, o crime de “associação criminosa” era chamado de “quadrilha ou bando”, previsto no art. 288, do Código Penal. A diferença é sutil: na organização criminosa há divisão de tarefas entre os delinquentes; na associação criminosa não, a delinquência se junta aleatoriamente.

Dos estudos do procurador de Justiça do Estado de São Paulo, doutor e mestre em Direito, pós-doutor pela Universidade Federal de Messina, na Itália, Ricardo Antônio Andreucci, em síntese, colhe-se o seguinte:

“Crime Organizado”: fenômeno criminal sem definição legal, que caracteriza as ações praticadas por organização criminosa, confundindo-se com o conceito desta.

“Organização Criminosa para os efeitos da Lei nº 12.694/12”: associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

“Organização Criminosa para os demais efeitos penais”: a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

“Associação Criminosa”: associação de 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.

Na “rachadinha” parlamentar, seja ela federal, estadual ou municipal, organização criminosa, associação criminosa, quadrilha, bando, ou gangue (do inglês gang) são denominações atribuídas a um grupo de pessoas que tem por objetivo práticas criminosas ou atividades consideradas ilegais, com soberbo desvio de conduta e de finalidade, com seus integrantes/meliantes compartilhando identidade comum: desviar e surrupiar recursos públicos.

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